Diário do Pará: Governo do Estado apreende equipamentos e veículos de Belo Monte

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Ao total, 72% das mercadorias e equipamentos adquiridos pelo consórcio construtor da usina hidrelétrica de Belo Monte são oriundos de fora do Pará. Até saco plástico usado para lixo o CCBM compra fora do território paraense. Somente 28% dos produtos foram adquiridos em solo do Pará, desde junho quando a obra física da usina começou, conforme constatou a Secretaria Estadual de Fazenda (Sefa). A informação foi repassada pelo secretário de Fazenda, José Tostes, ontem à tarde, após apreensão de 29 veículos e 250 computadores adquiridos pelo CCBM em São Paulo e Minas Gerais. O Estado alega que o consórcio descumpriu acordo com o Parlamento e Executivo estaduais de beneficiar o Pará com imposto dos produtos que serão usados para construir a usina. Além do titular da Sefa, participaram da coletiva o secretário adjunto de Receita, Nilo Noronha, diretor de Fiscalização, Célio Cal Monteiro e o coordenador de Mercadorias em Trânsito, Antônio Asbeg. A quarta carreta com veículos do CCBM foi apreendida ontem no posto de fiscalização da Sefa no Itinga, localizado em Dom Eliseu, divisa com o Estado do Maranhão. Já as cargas de computadores entraram no Pará pelo aeroporto de Val-de-Cans. O consórcio pagou até agora apenas R$ 50 mil dos R$ 786 mil que deve ao Pará entre multas e impostos.

O valor devido do ICMS das mercadorias adquiridas pelo CCBM ao Estado do Pará é justamente a diferença da alíquota do imposto. Nos estados do sudeste e sul, como explicou José Tostes, a alíquota do ICMS é de 10% no Pará é cobrada em 17%. A diferença de 7% tem que ser paga à medida que a mercadoria chega ao Pará. Já nos Estados das regiões centro-oeste, nordeste e do norte a alíquota do ICMS geralmente é de 12% nestes casos a diferença devida ao fisco paraense é de 5%. A maioria das mercadorias adquiridas pelo consórcio construtor é oriunda de São Paulo, mas também já houve compra em Minas Gerais e Espírito Santo.

FAVORECIMENTO

Após anunciar que estava em recesso, o CCBM voltou atrás e quando a Sefa anunciou a revogação do decreto que reduzia a alíquota do ICMS paraense de 17% para 10% para compras destinadas a Belo Monte, enviou nota às redações locais, atribuindo a culpa ao fornecedor Mercedes Benz, alegando que as carretas adquiridas no Estado de São Paulo foram faturadas pela empresa no próprio estado por decisão da própria concessionária. Com novas remessas de veículos e computadores de São Paulo e Minas Gerais en trando no Pará da mesma forma, José Tostes afirma que é a prova que o fato anterior não fora isolado, como o CCBM tentou justificar. “É a política deliberada da empresa para favorecer seus fornecedores e os Estados das empresas que fazem parte do consórcio, em detrimento do benefício ao Estado do Pará”, afirma categoricamente Tostes.

No entanto, ele não quis revelar quanto o Pará já perdeu em ICMS com a compra de mercadorias em outros Estados. O secretário deixa claro que a orientação da Sefa para que o imposto seja exigido na chegada seja mantida. “Essa política foi adotada maciçamente desde o início da obra de Belo Monte. Mas vamos lutar até o fim para que isso mude. O Estado não vai ficar inerte”, assegura o secretário de Fazenda do Pará.

Para José Tostes, Belo Monte é uma obra importante para o Brasil, mas ele admite que para o Pará até agora tem trazido só problemas sociais, econômicos e ambientais e lembrou que mais de 90% da energia que será produzida pela usina será exportada pra outros estados. “Belo Monte poderá ser importante para o Pará se vier a produzir benefícios ao Estado. Até agora o compromisso da empresa com o Pará não foi honrado”, disse o secretário de Fazenda paraense.

Consórcio ignora condicionantes, diz deputado

Inconformado com a postura omissa do Consórcio Construtor Belo Monte, no tocante ao cumprimento das condicionantes que fazem parte do próprio edital de licitação da obra, o deputado Wandenkolk Gonçalves (PSDB), presidente da Subcomissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, decidiu radicalizar. Na opinião dele, o Pará, através do Governo do Estado, das lideranças políticas e do conjunto da sociedade, deve dispensar à empresa, a partir de agora, um tratamento de força. “Está na hora de dar um basta”, afirma ele, levantando inclusive a possibilidade de paralisação da obra.

O parlamentar fala sobre o assunto com autoridade e conhecimento de causa. Natural da região, onde concentra a sua atuação política, ele vem participando de discussões técnicas e de fóruns populares sobre Belo Monte há mais de vinte anos. Foi por iniciativa sua, materializada através de requerimento, que a Câmara dos Deputados aprovou, em fevereiro de 2007, a primeira grande audiência pública realizada no Congresso Nacional para debater os impactos socioeconômicos e ambientais do complexo hidrelétrico que hoje está sendo construído no Xingu. “Estou dedicando meu mandato a essas questões”, afirma.

Tendo participado de todas as audiências públicas convocadas para a discussão de Belo Monte, realizadas na região de Altamira, em Belém e em Brasília, Wandenkolk Gonçalves assinala que foram também de iniciativa sua praticamente todas as condicionantes, aprovadas e consignadas no próprio edital de licitação da obra. As condicionantes foram divididas em três grandes blocos, para adoção e execução em curto, médio e longo prazos. As primeiras, classificadas como emergenciais e de execução imediata, previam ações nas áreas de saúde, educação e segurança pública antes mesmo do início das obras de implantação. O segundo bloco, definido como intermediário, compreende obras e serviços que se realizariam ao longo do tempo, contemplando basicamente a infraestrutura urbana. Nesse pacote se incluem, entre outros serviços, asfaltamento, saneamento (água e esgoto), drenagem, urbanização e projetos habitacionais. O terceiro bloco, com 26 condicionantes, contempla basicamente as demandas das populações indígenas. O problema – diz o parlamentar – é que o Consórcio Belo Monte tem ignorado por completo os compromissos que ele próprio assumiu ao arrematar o leilão que o habilitou à execução do projeto.

PARALISAÇÃO

Para Wandenkolk Gonçalves, o Consórcio Construtor Belo Monte demonstrou, no caso das condicionantes, a mesma arrogância e a mesma falta de compromissos que tem mostrado em relação ao Pará ao efetuar suas compras fora do Estado. Foi o que aconteceu, por exemplo, diz ele, no final do primeiro semestre, quando a empresa fechou em São Paulo uma compra volumosa de máquinas pesadas da Caterpillar, e foi o que se repetiu agora, com a aquisição de uma frota de 118 caminhões da marca Mercedes Benz, também na capital paulista.

“Eles estão extorquindo, chantageando, enganando. No dia em que o consórcio tiver em mãos a licença de operação, aí mesmo é que não mais veremos a cara deles”, afirma. De acordo com o parlamentar, o consórcio está adotando no Pará um método rasteiro, do tipo “me engana que eu gosto”. As poucas ações desenvolvidas pelo consórcio na região, conforme frisou, têm somente o objetivo de tentar calar algumas vozes que lhe pareçam incômodas. Foi o caso, por exemplo, da distribuição de um kit de malária, entregue há poucos dias para alguns municípios. “São apenas ações pontuais e paliativas, que mascaram, mas não resolvem os problemas. Das obras estruturantes, que eles tinham a obrigação de fazer, até agora zero, nada foi feito”, acrescenta. De acordo com o presidente da Subcomissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, o consórcio não tem nenhuma estrutura no Estado. “Não há nem mesmo um escritório da Norte Energia em Altamira, mas apenas um cubículo. Eles determinam tudo de Brasília para cá”, afirma.

Desde o primeiro dia até hoje, segundo Wandenkolk Gonçalves, o Consórcio Belo Monte tem se sentido à vontade para descumprir compromissos, quebrar acordos e ignorar até mesmo a obrigação legal de cumprir as condicionantes. “Eles estão passando por cima da gente, estão nos atropelando, numa postura que considero afrontosa não somente ao governo e à representação política do Pará, mas sobretudo à sociedade paraense”.

Para ele, a situação chegou a um ponto tal que só permite uma saída. O Governo do Pará, além das medidas que já vem adotando na área administrativa, dentro de sua esfera de competência, deve construir, junto com o Ministério Público e os movimentos sociais, uma grande união de forças para subjugar o Consórcio Belo Monte aos interesses do Estado e às imposições da lei. A questão, para ele, é simples: ou o consórcio cumpre com suas obrigações ou se paralisa a obra.

“Já nem se trata de discutir se se é contra ou a favor da hidrelétrica, porque a esta altura devemos entender que ela é irreversível”, afirma o parlamentar. E acrescenta, numa estocada final: “O que nós precisamos fazer é exigir o cumprimento das condicionantes. Mas não como favor, e sim como obrigação mínima para com o Pará e os paraenses”.

Sindfisco apoia ato de força adotado por Jatene

“Um ato de força, mas um ato necessário”. É assim que o presidente do Sindicato dos Servidores do Fisco do Estado do Pará (Sindifisco), Charles Alcântara, define as medidas de arrocho fiscal adotadas pelo governador Simão Jatene contra o Consórcio Construtor Belo Monte. O governador retirou, por decreto, a redução do ICMS sobre a compra de caminhões que havia concedido em outubro, fazendo retornar a alíquota de 17%, e determinou a exigência do recolhimento do imposto sobre toda e qualquer mercadoria adquirida pela empresa fora das fronteiras do Pará.

O procedimento, já posto em prática pela Secretaria da Fazenda, torna obrigatório o recolhimento do diferencial de alíquota no ato de entrada da mercadoria em território paraense. Para dar cumprimento a essa exigência, a mercadoria ficará retida até a quitação do débito. As duas medidas foram adotadas como resposta do Governo do Estado à compra, pelo CCBM, de um lote de 118 caminhões da marca Mercedes Benz faturados em São Paulo. Com essa operação, o consórcio deixou de cumprir o acordo que havia firmado com o Governo do Pará, pelo qual se comprometera a fazer suas compras no próprio mercado paraense.

Charles Alcântara lembra que foi o Sindifisco a primeira instituição a se manifestar publicamente, inclusive com a divulgação de nota, em repúdio contra o Consórcio Belo Monte pelo descumprimento das condicionantes estabelecidas para a construção da hidrelétrica. Em audiência pública realizada no dia 30 de setembro, na Assembleia Legislativa, conforme frisou, Sindifisco chamou a atenção para o fato de que a exportação de energia não gera impostos para o Estado, que apesar disso é obrigado a arcar com as terríveis consequências de um projeto desse porte nas áreas sociais e ambientais.

Na ocasião, lembra Charles Alcântara, o representante do consórcio presente à audiência pública reconheceu humildemente o erro, pediu desculpas e garantiu que a empresa iria, a partir daquela data, adotar uma postura totalmente diferente. Depois disso, o que se viu, conforme frisou o dirigente sindical, foi exatamente a repetição dos mesmos erros, inclusive com agravantes, como o caso agora tornado público da viagem custeada a São Paulo de um alto funcionário do Detran. Em vista disso, Charles Alcântara, que já conversou sobre o assunto com o secretário José Tostes, considera que a Secretaria da Fazenda deve instituir um regime especial de fiscalização para Belo Monte. Com isso, um grupo de fiscais e auditores ficaria encarregado de acompanhar todas as operações do consórcio, prevenindo burlas e eventuais quebras de compromissos. (Diário do Pará)

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