No dia 2 de junho, o Ibama multou o consórcio CESTE, responsável pela construção da Usina Hidrelétrica de Estreito no Rio Tocantins, em R$ 4,5 milhões por uma série de crimes; entre eles, a recente grande mortandade de peixes causada pelos testes de funcionamento das turbinas, a entrega de relatórios falsos, a coleta de fauna sem autorização e o descumprimento de notificação do órgão. O empreendedor já havia sido autuado anteriormente por descumprimento de condicionantes da Licença de Operação.
Ironicamente, um dia antes, em 1o de junho, o Ibama concedeu a Licença de Instalação ao Consórcio Norte Energia (NESA), liberando o início das obras do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte apesar de apenas 40% das condicionantes da Licença Prévia terem sido cumpridas, segundo parecer técnico do próprio órgão.
Desde ontem, subiu para 11 o número de Ações Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal contra Belo Monte – essa última por graves irregularidades cometidas pelo Ibama e pela Funai na concessão da Licença de Instalação.
No caso de Belo Monte e outras novas hidrelétricas na Amazônia, após a concessão de liminares favoráveis a ações bem fundamentadas do Ministério Público Federal na primeira instancia do judiciário, a Advocacia Geral da União (AGU) tem pressionando o Tribunal Regional Federal (TRF1) a aplicar indevidamente o instrumento de “suspensão de segurança” com falsos argumentos sobre ameaças à ordem pública e à iminência de um apagão no setor elétrico. O resultado dessa prática autoritária tem sido violações sistemáticas dos direitos individuais e coletivos de populações amazônicas ameaçadas por esses mega-empreendimentos faraônicos.
Num quadro de desrespeito à legislação brasileira e acordos internacionais sobre os direitos humanos, os movimentos sociais da região amazônica e outras entidades da sociedade civil brasileira têm apelado para instâncias dos sistemas internacionais de direitos humanos. Assim, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) já recomendou que fossem adotadas medidas cautelares pelo governo para proteger os direitos de populações indígenas do Xingu, ameaçadas por Belo Monte, em respeito à Constituição Federal, à Convenção 160 da OIT e à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Em resposta, o governo negou a existência de qualquer problema, apesar de todos os fatos constatados, e reagiu de forma extremamente agressiva à OEA, organismo multilateral do qual faz parte. Desde a semana passada, a insistência do governo em construir Belo Monte de qualquer jeito tem sido denunciada no Conselho de Direitos Humanos da ONU e na Assembléia Geral da OEA.
Nos últimos dias, o Instituto Chico Mendes admitiu que, a pedido do governo, vai propor a supressão de pelo menos 78 mil hectares de Unidades de Conservação – nos parques nacionais da Amazônia e do Jamanxim, nas florestas nacionais de Itaituba I e II e na área de proteção ambiental (APA) do Tapajós, no sudoeste do Pará – sem qualquer estudo de impacto social e ambiental, para possibilitar o licenciamento das hidrelétricas de São Luiz do Tapajós, Jatobá, e Cachoeira dos Patos. A noticia é destaque hoje nos jornais a Folha de São Paulo e Estadão de São Paulo. Enquanto isso, o governo atropela as leis ambientais e os direitos das comunidades indígenas e outras populações tradicionais para construir, em tempo recorde, uma série de grandes hidrelétricas e PCHs em dois grandes afluentes do Tapajós: os rios Teles Pires e Juruena.
Varias semanas antes, a hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira em Rondônia, tomou os noticiários nacionais em função da revolta dos operários contra condições criminosas de trabalho, e na oportunidade destacou-se que 70% das condicionantes socioambientais do empreendimento ainda não haviam sido cumpridas.
Ao olhar este quadro, as multas do Ibama à Ceste no caso da usina de Estreito no Rio Tocantins parecem até ridículas. Não porque obrigar o cumprimento da lei é ridículo, mas porque o mesmo órgão que por vezes se preocupa em fazê-lo é exatamente o primeiro agente a permitir e a incentivar a criminalidade ambiental no caso das hidrelétricas na Amazônia.
Quem se importa? Em entrevista ao Portal G1, Luiz Fernando Rufato, diretor de construção do consórcio Norte Energia, ao ser questionado sobre o destino dos atingidos por Belo Monte na região do Xingu, retruca: “O que a Norte Energia tem com a pobreza da cidade durante 100 anos?”.
Enquanto isso, aqueles que defendem as florestas são covardemente assassinados em áreas onde o Ibama deveria ter fiscalizado crimes e onde a Polícia Federal deveria ter prendido criminosos. É vergonhoso, é revoltante, mas acima de tudo é extremamente dolorido termos cinco dos nossos – José Cláudio Ribeiro da Silva, Maria Bispo do Espírito Santo, Herenilto Pereira dos Santos, Marcos Gomes da Silva, no Pará, e Adelino Ramos, em Rondônia – assassinados em menos de uma semana, enquanto o governo segue rasgando a Constituição no que tange a legislação ambiental e os direitos trabalhistas, humanos, e das populações indígenas.
Que moral tem um governo que atropela sistematicamente os direitos humanos e a legislação ambiental, na construção apressada de hidreletricas na Amazônia, de lamentar conosco a morte destas cinco lideranças de movimentos sociais e cidadãos brasileiros? Qual será a moral deste governo na Rio+20, quando for cobrado publicamente, diante do planeta reunido, pelos crimes ambientais que cometeu, incentivou e permitiu?
Esperamos que os membros do Parlamento, eleitos pelo povo brasileiro, cumpram sua função de zelar pelo país, zelar pelas leis e zelar por nós. E que comecem agora. Porque daqui a muito pouco pode ser muito tarde.
07 de junho de 2011
Aliança dos Rios da Amazônia
Movimento Xingu Vivo para Sempre – MXVPS
Aliança Tapajós Vivo
Movimento Teles Pires Vivo
Campanha Popular Viva o Rio Madeira Vivo
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB