Apesar do ritmo acelerado das obras de Belo Monte e de campanhas cada vez mais agressivas da Norte Energia e do governo federal em defesa da usina, populações rurais, moradores urbanos, trabalhadores, migrantes, fauna, flora, municípios, infraestrutura, agricultura, segurança alimentar, cavernas e tantos outros atores e aspectos afetados por Belo Monte estão diante de um quadro trágico de “condicionantes não atendidas e programas não implementados”. E desta vez, a afirmação não é do Movimento Xingu Vivo para Sempre, mas do Ibama.
De acordo com o último relatório do órgão ambiental, que analisou o cumprimento do Plano Básico Ambiental (PBA, conjunto dos programas socioambientais que devem garantir a eficácia das medidas definidas nos estudos ambientais e demais exigências das Licenças Prévia e de Instalação) de Belo Monte em 2011, o relatório de atividades da Norte Energia sobre ações obrigatórias de mitigação “não é compatível com o proposto no PBA, além de apresentar diversas falhas de conteúdo”. O documento afirma ainda que a empresa prestou informação enganosa referente ao Programa de Educação Ambiental e deve ser responsabilizada pelo descumprimento de condicionantes e das ações previstas na execução do PBA.
O extenso documento do Ibama, datado de 20 de dezembro de 2011, faz uma análise minuciosa de todas as ações exigidas pelo PBA, e demonstra as graves falhas em seu cumprimento. Abaixo, segue o resumo de alguns destes tópicos:
Programa de Capacitação de Mão de Obra
Os dados apresentados no relatório não refletem a projeção apresentada do 4º relatório de acompanhamento das ações antecipatórias (…). Tampouco foi apresentado o histograma de empregados efetivamente contratados no período, ou justificativa para não ter sido atingida a projeção.
Programa de Saúde e Segurança
Não foi prevista efetiva solução de responsabilidade do empreendedor para o atendimento regular de saúde dos trabalhadores contratados, de forma a não sobrecarregar a rede pública.
Programa de Educação Ambiental para os Trabalhadores
Não foi apresentado relatório específico para o Programa (…). Nenhuma das ações do cronograma apresentado no PBA previstas até o 4º trimestre de 2011 foi sequer iniciada, de acordo com o relatório apresentado.
Projeto de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias na Área Rural
Para o período de junho a outubro de 2011, este projeto previa a determinação da área atingida; a realização do cadastro fundiário, imobiliário e socioeconômico da área rural, com final previsto para 31/12/2011; início da formalização do Decreto de desapropriação; início da avaliação das terras e benfeitorias; e, efetuar ações de avaliação e monitoramento. Foram apresentados dados brutos das atividades realizadas, mas os resultados não consolidam informações claras que permitam a avaliação e monitoramento do projeto (…). A lista de aquisições apresentada neste relatório semestral não permite identificar qual estoque de terras a Norte Energia possui na região. Desta forma, fica comprometido o acompanhamento do projeto pela equipe técnica do Ibama.
Projeto de Reassentamento Rural
Foi relatado que as famílias atingidas, que têm perfil para serem atendidas pelo reassentamento rural coletivo, estão optando unanimemente pelo reassentamento assistido (Carta de crédito). Apesar da Norte Energia afirmar no 1º relatório semestral que dentre as alternativas oferecidas às famílias impactadas, o reassentamento rural tem sido ofertado como melhor opção de compensação, buscando a recomposição das atividades e qualidade de vida das famílias, em condições pelo menos equivalentes às atuais, e que tem abordado em reuniões com os atingidos que a melhor opção é o reassentamento coletivo, não é relatada a argumentação que comprove tal afirmação. Dado que o possível estoque de terras disponível para reassentamento coletivo abordado no projeto anterior ainda não se confirmou, os atingidos não percebem o reassentamento rural coletivo como opção concreta de tratamento, tornando a opção pelo reassentamento assistido mais atraente.
Projetos de Apoio à Pequena Produção e à Agricultura Familiar e de Recomposição das Atividades Produtivas de Áreas Remanescentes
Para o período de junho a outubro de 2011, este projeto previa, principalmente, o início da sistematização da pesquisa socioeconômica, da formulação de hipóteses de trabalho para as equipes de ATES e da seleção de beneficiários do projeto. Contudo, o relatório afirma não existirem atividades previstas para o período. Para evitar maior pressão sobre os preços dos alimentos na região, este projeto já deveria ter sido iniciado.
Projetos de Reestruturação do Extrativismo Vegetal, de Apoio à Cadeia Produtiva do Cacau e de Fomento à Produção de Hortigranjeiros
O relatório afirma não terem atividades previstas para o período. Contudo, devido à pressão sobre os preços dos alimentos na região e previsto no PBA (…), algumas atividades já deveriam ter sido iniciadas. Ressalta-se que atrasos no projeto de fomento à produção de hortigranjeiros podem afetar o abastecimento e elevar ainda mais a inflação dos alimentos da região.
Projeto de Recomposição da Infraestrutura de Saneamento
A empresa responsável pela execução do Projeto ainda não foi contratada. Conforme o 1º Relatório, as únicas atividades realizadas até o momento foram vistorias na comunidade Ressaca para confirmar o que o PBA já tinha concluído, ou seja, as condições de saneamento daquele local são precárias (…). A execução do cronograma encontra-se significativamente atrasada.
Projeto de Regularização Fundiária Urbana
As atividades realizadas e os resultados obtidos mencionados no relatório consolidado da Norte Energia não seguem estritamente a sequência e a descrição das atividades estabelecidas no cronograma PBA final, não permitindo certificar-se de que todas as atividades constantes no PBA para iniciar no 2º ou 3º trimestres de 2011, portanto aptas a estarem descritas no relatório, foram realizadas ou estão em andamento, bem como se houve o acolhimento das recomendações constantes no Ofício n° 510/2011
Projeto de Reassentamento Urbano
No relatório consolidado da Norte Energia consta que “Em razão de ainda estar em andamento os cadastros socioeconômico e fundiário e o levantamento físico, não se tem ainda atividades realizadas neste Projeto”. Segundo o cronograma constante no PBA, o cadastro socioeconômico foi previsto para estar concluído até o fim do 3º trimestre de 2011, portanto passível de ter sido incluído no relatório consolidado como atividade realizada.
Projeto de Atendimento Social e Psicológico da População Atingida
Das 17 atividades relacionadas no cronograma do PBA, 11 estavam previstas para iniciar no 2° ou no 3° trimestre de 2011. (…) Ressalta-se que as ações previstas de assistência social dependem de convênio entre a Norte Energia e os municípios (…); os convênios já deveriam ter sido assinados desde a fase de ações antecipatórias e, até o momento, este pré-requisito não foi cumprido. Como resultado do atraso na execução das atividades previstas, não existe hoje na região uma estrutura específica para o atendimento à população migrante (central de triagem e casas de acolhida) que se enquadre nos critérios de vulnerabilidade social. O atraso no projeto prejudica, ainda, a avaliação de suficiência da estrutura de assistência social disponibilizada pelos municípios de Altamira e Vitória do Xingu.
Projeto de Saneamento
De acordo com o cronograma físico deste Projeto apresentado no PBA, a implantação dos sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário e do aterro sanitário deveria ter sido iniciada ainda no segundo trimestre de 2011. Cabe destacar que até o momento nenhum destes projetos começou a ser efetivamente implantado no município de Altamira.
Plano de Articulação Institucional
O EIA já havia identificado que as municipalidades da região não estão devidamente estruturadas e capacitadas para planejar e gerir o processo de desenvolvimento municipal e urbano. O EIA apresentou com muita propriedade o caráter antecipatório dos programas componentes do Plano de Articulação Institucional, influindo na própria viabilidade do empreendimento (grifo do Ibama). O relatório entregue evidencia que o Plano, além de ter perdido seu caráter antecipatório, tem sua implementação muito aquém do esperado. O reflexo desta situação pode ser percebido no atraso nos cronogramas de diversos planos, programas e projetos, causados por insuficiências técnicas das Prefeituras.
Programa de Educação Ambiental de Belo Monte
Ao contrário do informado no relatório [da norte Energia], não foi realizada nenhuma atividade prevista no âmbito deste programa. Além do atraso na implementação do PBA, a Norte Energia deve ser responsabilizada por ter apresentado informação enganosa no Relatório Semestral.
Programa de Registro e Armazenamento Cartográfico, Fotográfico e Acervo de Elementos Espeleológicos
As ações previstas no cronograma do PBA para o período contemplado pelo 1º Relatório de Acompanhamento são (i) levantamento topográfico exocárstico; (ii) levantamento topográfico endocárstico; e (iii) documentação fotográfica. Tais atividades não foram desenvolvidas.
Projeto de Aquicultura de Peixes Ornamentais
Para o período contemplado pelo 1º Relatório de Acompanhamento o cronograma apresentado no PBA prevê a execução de duas ações: (i) formação de parcerias e licenciamento da atividade; e (ii) formação da equipe de trabalho. O relatório apresentado não apresentou nenhum resultado para essas duas ações.
O documento traz ainda uma análise do cumprimento das condicionantes da Licença de Instalação. Até a data da publicação do relatório, apenas uma condicionante havia sido atendida. Quatro condicionantes não foram cumpridas (os documentos apresentados não atendem o disposto no item da licença), quatro apresentaram pendências e 11 ainda estão em atendimento.
Veja aqui a íntegra do Parecer Tecnico sobre andamento do PBA
Sou favorável a Belo Monte, mas sou favorável também que todas as condicionantes sejam cumpridas e que a fiscalização seja eficiente durante todas as etapas das obras. Moro na região e conheço muita gente que fez curso de capacitação profissional oferecido pelo Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) e, inclusive, já está trabalhando nas obras da barragem. Acho que isso, pelo menos, está funcionando bem numa região que tem altas taxas de desemprego e subemprego. Belo Monte, como tudo na vida, trará coisas ruins e coisas boas. Não é uma maravilha ter uma hidrelétrica funcionando no Xingu, mas também não concordo com a visão radical de ambientalistas e integrantes de ONGs que não vivem sem seus notebooks, smartphones e aparelhos de ar-condicionado, mas não querem as obras que proporcionam a geração de energia elétrica. Radicalismos não levam a nada…
Não generalize quando fala em radicalismos. Isso tb não leva a nada, é tão radical quanto o radicalismo que critica.
Se o Ibama admite todos estes tropeços, como a obra continua? É preciso reagir, ir a Brasília, fazer tuitaço, denunciar nas redes sociais essa calamidade que estão fazendo com os povos do Xingu.