Xingu +23, primeiro dia de trabalho. Logo cedo, os cerca de 200 acampados que haviam chegado no dia anterior foram despertados pelo som alto de uma sirene, vindo das bandas do canteiro de obras Belo Monte que se esparrama do outro lado da Transamazônica, em frente à Vila de Santo Antonio. Pouco depois, o estrondo das dinamites, e o chão tremeu. É assim todos os dias, contam os poucos moradores que ainda restam na antiga comunidade, praticamente deserta depois do despejo da maioria das famílias.
Santo Antonio
Primeira coisa a fazer na Vila que teve seu santo padroeiro festejado na véspera foi homenagear e erguer o estandarte. Santo Antonio foi cantado e rezado em português e munduruku, porque os cerca de 40 indígenas que vieram dos rios Teles Pires e Tapajós, onde, feito Belo Monte, as usinas ameaçam suas terras, também precisam de proteção de santo forte.
La como aqui
Programado para ser o principal momento de sistematização de denúncias, o dia foi tomado por depoimentos de especialistas, como a antropóloga Sonia Magalhães, que deu um panorama sobre o projeto de Belo Monte e seus impactos sociais e ambientais da usina, e dos atingidos. Mas também contou com a emocionada participação de um casal de ativistas turcos, que enfrentam de forma muito similares os problemas causados pela construção da hidrelétrica de Ilisu.
O Sonho
Terminada a primeira mesa de explanações, subiu aos poucos a música que Gilberto Gil cedeu ao Xingu +23. Ecoando entre as mangueiras que fizeram a vez de salão de assembleia, o Sonho fez levantarem-se ribeirinhos, pescadores, agricultores, tembés, jurunas, mundurukus. Com voz suave, Ana, do Movimento Xingu Vivo, puxou uma espécie de oração, à qual todos se curvaram e tocaram a terra. Muitos para esconder as lágrimas que brotaram à revelia
Depoimentos
Elio, Sto Antonio
Criei meus filhos a custa do Xingu. Foi o rio mais rico que conheci. Mas hoje pescadores não conseguem mais pescar. Cada dinamite que explode parece que tem uma coisa explodindo aqui dentro do meu peito.
Amilton Machado, Sto Antonio
Eu sinto muita dor no meu coração. Antes, no período das 7 as 11 da manhã, a gente pegava 30, 40 kg de peixe. Hoje a gente chega 11 horas e só pegou dois peixes. Isso é muito doido no coração. Eu era agregado aqui no Sto. Antonio, não tinha terra então não ganhei nada, nenhuma indenização. Hoje moro de favor na casa de uma sobrinha
Carol, Pimental ( filha do Sr. Sebastião)
Eu queria estudar medicina, mas depois que a Norte Energia tomou nossas terras, não tem mais de onde tirar o dinheiro. Derrubaram toda nossa plantação de cacau, me sinto sem futuro. Hoje só sobrou o olhar triste da minha mãe e do meu pai
Elisvaldo Gomes, Assurini
Em 2006 a Norte Energia apareceu no Assurini e começou a cadastrar os moradores, dizendo que ia despejar todo mundo. Aí o pessoal começou a esperar o dia, muitos deixaram de plantar, só esperando, muita gente entrou em depressão, e nunca que eles resolveram. Dizem que em 90 dias vão tirar o povo, passa o tempo, nada acontece, e fica essa espera desgraçada. E eles só ficam indo la pra dividir o povo. Quando a gente vai se organizar, eles chegam la e dividem as pessoas. Agora mesmo, fizemos uma reunião pra vir pro Xingu +23, parece que eles sentem o cheiro, foram la, falaram que não era pra ir. E das 27 pessoas que viriam, só vieram oito.
Vanderlei Juruna, km 17
Fui estudar em Goiania há 11 anos e voltei agora, e tudo está diferente. Já em 74 eu ouvia minha mãe falar desse monstro. Agora vejo na minha aldeia que as etnias são jogadas umas contra as outras, tem lideranças sendo compradas, tem gente com medo. Meu irmão mesmo se calou. Lembro da minha mãe e choro, e tenho que engolir como se engolisse farinha. Hojo durmo num colchão no chão, não tenho trabalho, vivo do seguro. Mas pode dar sangue nas canelas,porque se for preciso, derramamos nosso sangue.
Valdemir Munduruku, Teles Pires
Cheguei aqui com três sentimentos: uma grande alegria por ter encontrado todos vocês, uma grande tristeza por ver o que está acontecendpo aqui, e uma grande raivados empreendedores e do governo por estarem fazendo isso. O mesmo acontece na nossa região, o Teles Pires, onde a usina já tem licença de instalação. Por isso estamos aqui. A natureza nos da a vida, e por ela nós vamos dar a nossa. Mas eu digo que jamais seremos comprados por cesta básica. Da natureza tiramos tudo que precisamos, não precisamos que ninguém nos dê nada. Estamos aqui pra dizer ao governo que não estamos de brincadeira. Se precisarmos ser presos, vamos ser presos. Porque um dia seremos soltos. E aí vamos voltar.
Geraldo Munduruku, Jacareacanga
Esta é a minha primeira vez aqui no Xingu, e não consigo entender o que a presidenta está pensando. Nós indígenas não estudamos muito, mas tem uma coisa: sabemos como respeitar as coisas de deus
Rosenilda Munduruku
Meu povo já lutou muito, mas hoje quem esta aqui sou eu. Nós mulheres temos força de lutar com nosso povo. Somos contra as barragens do Teles Pires, do Tapajós e do Xingu. Temos orgulho de estar aqui com vocês. Sou uma guerreira e vou lutar até o fim.