O povo Munduruku do médio e alto rio Tapajós com a participação de representantes dos povos- Kayabi, Apiaká e Kayapó; o coordenador Coiab; representantes de entidades de apoio a causa indígena; representante da Secretaria da Presidência da República, coordenadores e técnicos e da presidência da Funai- discutiram no dia 31 de janeiro, de 2013 como ponto principal da Assembleia Extraordinária, a invasão e violência cometida pela Polícia Federal na Aldeia Teles Pires, no dia 7 de novembro, de 2012.
Ato que resultou no assassinato do nosso parente indígena. Outro assunto que também pautamos é a agressão aos nossos direitos pelos projetos do Governo Federal na construção de hidrelétricas nos rios Teles Pires e Tapajós, onde ficam nossas terras tradicionais.
A invasão da Polícia Federal na chamada Operação Eldorado foi denunciada mais uma vez na Assembleia como brutal de desrespeito aos direitos humanos e aos direitos indígenas, devido a humilhação e ameaças feitas para idosos, mulheres, crianças e caciques, que resultou como crime maior, o assassinato de um parente Munduruku que fugia dos tiros, mas acabou sendo executado com balas nas duas pernas e outra na cabeça pelo próprio delegado que comandava a operação assassina.
Não satisfeitos a Polícia Federal ainda atirou 13 bombas na beira do rio para que o corpo desaparecesse e ficaram durante todo o dia amedrontando à comunidade, depois do ato truculento de invasão das casas, atiraram contra as paredes da escola e do posto de saúde. Juntaram crianças, velhos e mulheres durante horas debaixo do sol. Após a ação a Polícia Federal passou a divulgar na imprensa que foi atacada e só reagiu com balas de borracha, pois os Munduruku estavam armados .
A Funai no dia 5 de dezembro assinou um documento alegando que a polícia não agiu com excesso, mas como medida de defesa, o que o órgão pretendeu foi passar para a população brasileira a imagem de que os índios foram culpados, mais uma vez a ideia que o povo indígena é um bando de selvagem. Tudo não passa de mentiras, por que o nosso povo não tinha armas de fogo e tentou convencer o delegado para não usar a força mostrando documentos que a comunidade já havia discutido com a Funai e autoridades federais, com entendimentos para solução do problema do garimpo.
Os dois indígenas baleados foram levados pela Polícia Federal para a cidade de Alta Floresta, quando chegaram lá foram surpreendidos pela Polícia Federal que cercou toda a área do aeroporto, a fim de que nenhuma imprensa filmasse e divulgasse o que eles cometeram. Temos informação que até tentativa de abuso sexual aconteceu conforme o relato de Gersiane Bõrõ Munduruku, irmã do Edivaldo Bõrõ que estava baleado e foi levado para a cidade de Alta Floresta. Ela foi acompanhar o irmão e mandaram-o, deixando a indígena no porto da Fazenda Brascam, lá a Polícia Federal mencionou que iam estuprá-la.
Embora outro integrante da Força Nacional tivesse afirmado que não podiam fazer isso com a índia, o agente da Polícia Federal falou que ele ia estuprá-la e posteriormente jogar seu corpo para jacaré comer, mas felizmente a ameaça não foi concretizada.
Senhora Presidenta! Tudo isso já foi denunciado para as autoridades do Ministério da Justiça e do Ministério Público Federal, e com certeza a senhora foi informada desse crime. Mas o pouco caso e desrespeito continuam. Após dois dias do ocorrido fomos para Brasília denunciar ao Ministério da Justiça e esperávamos sermos recebidos pelo ministro, e pela presidenta da Funai, mas nenhuma das autoridades estavam presentes.
Há anos que apresentamos ao Governo propostas alternativas de auto-sustentação para o nosso povo a partir do nosso costume com uso dos recursos da floresta, como óleo de babaçu e castanha. Os anos foram passando e nada foi resolvido, agora como resposta tivemos o ataque assassino na nossa comunidade. A ação da Polícia Federal foi feita contra um povo que luta contra as hidrelétricas, na tentativa de ameaçar e amedrontar-nos. Se o Governo Federal não tem dinheiro para apoiar os projetos dos povos indígenas, como possui milhões para realizar uma operação de violência contra nossa aldeia?
Os parentes Munduruku, Kayabi e Kayapó presentes na Assembleia falaram dos projetos do Governo de construção hidrelétricas nos rios Teles Pires e Tapajós passando por cima da Constituição Federal e ameaçando destruir a natureza, nossos lugares sagrados e a base de nossa cultura e existência. Não somos contra o desenvolvimento do país, mas não aceitamos ter nossa vida destruída em nome de um tipo de progresso que só irá beneficiar os grandes empresários que ficarão cada vez mais ricos. Os povos indígenas deram seu sangue e contribuíram durante séculos com seu trabalho, suas vidas e suas riquezas para o desenvolvimento da nação brasileira.
As empresas de construção de hidrelétricas fazem promessas de compensação com muitos objetos e muito dinheiro, esquecendo que nossa visão de mundo é diferente dos não-índios que a grande maioria só pensam no lucro e na ganância. Não temos interesse nessas promessas de riqueza, para nós povos indígenas o patrimônio principal da riqueza é o futuro de nossas crianças e do nosso povo. O Governo Federal quebrou a pernas e braços da Funai, pois essa ficou parada e não tem mais força para defender os direitos indígenas. Mas, nós, Munduruku não temos medo e vamos continuar resistindo contra os projetos de hidrelétricas que ameaçam a nossa vida.
As prioridades do Governo não passam pela demarcação das terras indígenas, nossos parentes Munduruku do médio rio Tapajós e os parentes de outros povos do Baixo tapajós há muitos anos esperam pela demarcação de suas terras que são durante todo tempo invadidas por fazendeiros e madeireiros. Se o governo pode investir milhões nas grandes hidrelétricas, como não tem dinheiro para priorizar os direitos dos povos indígenas? É só olhar a situação da saúde, da educação, da fiscalização das terras, das atividades produtivas, e de nosso patrimônio cultural.
Essa carta é uma tradução e resumo das falas dos parentes durante as discussões da manhã do dia 31 de janeiro, onde apresentamos para Vossa Excelência as seguintes reivindicações, futuro dos anseios e angústias do Povo Munduruku:
1. A apuração imediata do caso do assassinato do índio Munduruku, Adenilson Kirixi, com o indiciamento e a punição do delegado da Policia Federal que comandou a operação Eldorado;
2 . Abertura de inquérito para uma apuração rigorosa do caso da violência acometida contra a vida e os direitos da comunidade Munduruku pela Polícia Federal, na Aldeia Teles Pires;
3. A imediata indenização pelos bens perdidos na invasão da Polícia Federal (balsas, casas, motores, barcos, etc…), assim como moral da família do Adenilson Kirixi e da comunidade Munduruku, da Aldeia Teles Pires;
4. A reconstrução imediata da Aldeia Teles Pires, do Povo Munduruku;
5. Fim dos estudos das hidrelétricas na Bacia do Tapajós e Teles Pires;
6. Revogação imediata da Portaria 303 da AGU;
7. A paralisação imediata da PEC 215;
8. Paralisação do projeto de Lei 1610.
9. A retomada imediata de estudo e aprovação do Novo Estatuto dos Povos Indígenas;
10. A aceleração no processo de demarcação das Terras Indígenas Munduruku da região do Médio Tapajós;
11. A implantação imediata e viável de um Programa de Vigilância, Monitoramento e Proteção dos territórios Munduruku, Sai Cinza e Kayabi;
12. A implantação imediata e viável de Projetos de Sustentabilidade para o Povo Munduruku, como casa de farinha, piscicultura, artesanato e outros projetos de produção de alimentos e geração de renda;
13. A garantia de recursos do PAR Indígena para a continuidade das etapas do Curso Ibaorebu, via a Funai;
14. Apoio do MEC para a regularização das escolas indígenas Munduruku, com a construção de currículos próprios e projetos políticos e pedagógicos específicos ao Povo Munduruku, reconhecidos pelo Governo Municipal, Estadual e Federal;
15. Agilizar a imediata construção das Escolas Indígenas nas Aldeias Sai Cinza e Missão Cururu, do Povo Munduruku, cujo os recursos federais estão na SEDUC, do Governo do Estado do Pará;
16. A construção de um Centro de Formação Munduruku, na Terra Indígena Munduruku;
17. A implantação pelo MEC de um curso de nível superior intercultural e específico por áreas de necessidades e interesses do povo Munduruku;
18. A garantia de recursos para apoiar os estudantes do ensino superior;
19. A garantia de recursos para a realização de um Projeto de Formação Tradicional, como musica e flautas;
20. Garantir recursos federais para a realização de cursos profissionalizantes nas áreas de saneamento, laboratório, técnico de enfermagem e saúde bucal com o objetivo de melhorar o atendimento à saúde do Povo Munduruku;
21. A imediata liberação de recursos para a construção dos postos de saúde, com os projetos já aprovados;
22. Agilidade nos processos de aquisição de medicamentos e equipamentos médico hospitalares para os Postos de Saúde e CASAI´s de Jacareacanga, Itaituba e Novo Progresso, do DSEI Tapajós;
23. Liberação de recursos para a implantação de uma Casa de Apoio à Saúde Indígena na cidade de Santarém para as etnias Munduruku e Kayapó;
24. Aquisição de meios de transporte (barcos, microônibus, caminhões, ambulâncias, etc…) com estruturas para atender aos pacientes e aos profissionais de saúde que trabalham na região;
25. A homologação das pistas de pouso nas Aldeias Sai Cinza, Katõ, Kaburuá, Rio das Tropas, Waro a pompõ, Teles Pires, Posto de Vigilância, Waritodi;
26. Criação do projeto intercultural superior.
27. Construção de pista de pouso aldeias polos santa Maria no rio cururu, Restinga rio Tapajós.
28. Punição dos servidores da FUNAI que estavam presentes na operação, Paulo e Moacir.
29. Homologação da T.I Kayaby.
30. Prioridade urgente do governo Federal para os estudos e condições que garantam a proteção e sobrevivência dos índios isolados da bacia do Tapajós, Teles Pires e Juruena.
31. Reforma urgente do prédio da FUNAI em Itaituba garantindo condições de trabalho e atendimento de acordo com as necessidades e direitos do povo indígena.
32. Que a Secretaria da Presidência da República cumpra o compromisso de audiência com 20 representantes Munduruku em Brasília na primeira quinzena de março assumido durante a Assembleia, quando deverão ser apresentadas as respostas as nossas reivindicações.
33. Reiteramos que estas são as nossas reivindicações sobre os nossos direitos e não os negociamos e, nada disso trará de volta também a vida do nosso irmão Adenilson Krixi. Não irão intimidar-nos ou amedrontar-nos com ameaças e ações violentas, pois a nossa decisão é continuar defendendo até o ultimo guerreiro Munduruku, o nosso Rio, Tapajós e Teles Pires, pois estes são a nossa vida.
Aldeia Sai Cinza, Pará, 31 de Janeiro de 2013.
Carta da Assembleia Extraordinária do povo Munduruku para a presidenta da República
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