São Paulo, 07 de julho de 2010.
À
PREVI
At.: Ricardo Flores, Presidente da Diretoria Executiva
Centro Empresarial Mourisco (Torre Pão de Açúcar),
Praia de Botafogo, 501 – 3º e 4º andares –
Botafogo, CEP: 22250-040
Rio de Janeiro – RJ.
C/C:
AAPBB – ASSOCIAÇÃO DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO BANCO DO BRASIL
At.: Paulo Lima Ribeiro
Rua Uruguaiana nº 10 – Grupo 1705
CEP 20050-090 – Centro – Rio de Janeiro-RJ
Pensão
Ref.: notificação extrajudicial – Usina de Belo Monte
Pelo presente instrumento particular e na melhor forma admitida em direito, os NOTIFICANTES, por seus bastantes procuradores que esta subscrevem, vêm formal e respeitosamente NOTIFICÁ-LO sobre os seguintes fatos que a seguir passa a expor:
É de conhecimento público que a PREVI está analisando a possibilidade de investir, direta ou indiretamente, no empreendimento denominado “Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte”, no Rio Xingu, Estado do Pará.
Cumpre-nos, porém, alertar sobre os riscos financeiros, jurídicos, socioambientais e riscos na reputação associados ao investimento.
Em 01.02.2010, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA concedeu a Licença Prévia (LP) ao empreendimento (LP no 342/2010), mesmo contrariando pareceres da equipe responsável pela análise de sua viabilidade ambiental recomendando a sua não emissão, porque não foi possível atestar a viabilidade ambiental. Essa conduta não só infringiu os princípios da moralidade e da motivação dos atos e decisões administrativas (art.37, caput, CF; art. 2o, Lei Federal 9784/99), sendo, portanto, de duvidosa validade jurídica, como também criou um imenso risco ao investimento, pois de forma irresponsável desconsiderou problemas de grande magnitude que já deveriam ter sido resolvidos, e que podem afetar não só a viabilidade econômica do empreendimento mas, sobretudo, sua possibilidade de implantação.
Com efeito, na Nota Técnica 04/2010, assinada dois dias antes da emissão da licença, a equipe técnica do IBAMA afirma, expressa e inequivocamente, que “não há elementos suficientes para atestar a viabilidade ambiental do empreendimento, até que sejam equacionadas as pendências apontadas nas conclusões do Parecer 06/2010”. E não são pendências sobre aspectos secundários do empreendimento ou de seus impactos, mas sobre aspectos centrais.
Qualidade de água no rio Xingu
A título de ilustração, uma das mais graves pendências do AHE Belo Monte diz respeito à definição, com algum grau de segurança, da qualidade da água do lago a ser formado e dos canais a serem construídos. Diante da inconsistência das informações apresentadas no EIA, o Ibama contratou uma equipe de especialistas da Universidade de Brasília- UnB para emitir uma opinião balizada sobre o assunto, a partir dos dados constantes no processo de licenciamento. Em parecer de 27.01.2010, após haver analisado cuidadosamente todos os estudos apresentados, essa equipe afirma que a modelagem utilizada pelos responsáveis pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é equivocada e insuficiente para se fazer qualquer prognóstico futuro, o que, em si, já impossibilitaria a emissão da licença.
Mas não é só. Refazendo parte das análises elaboradas pelo empreendedor, referido parecer conclui que, ao contrário do que diz o EIA ou assume a LP, há grandes chances (62% de probabilidade) de haver eutrofização nos futuros lagos, o que faria com que a qualidade da água fosse inferior aos parâmetros mínimos exigidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA (Resolução 357), com consequências terríveis para a fauna aquática e a população regional num trecho de 144 km de extensão ao longo do rio Xingu (inclusive à beira à cidade de Altamira) e dos canais a serem criados. Com base nisso conclui o parecer que, “de acordo com o estudo feito e o modelo selecionado mostrado no relatório sob análise, não poderá ser construído o AHE de Belo Monte, a menos que se assumam os riscos indicados de eutrofização dos dois reservatórios”. Como, pelo disposto na Resolução CONAMA 357, a qualidade de água nesse rio não pode ser inferior a de classe 2, e a eutrofização dos reservatórios implicaria em uma qualidade de água inferior a esse standard (não permite a manutenção das comunidades aquáticas, a pesca, a recreação e mesmo o abastecimento humano), não se trata de assumir riscos: se há grande chance de haver eutrofização nos lagos a serem formados, a obra não poderia ser licenciada. Essa conclusão, no entanto, foi desprezada pela Presidência do IBAMA ao emitir a licença.
Vazão ecológica no Trecho de Vazão Reduzida
Além de haver conscientemente desconsiderado os riscos relativos à qualidade de água nos lagos, a Presidência do IBAMA, ao assinar a LP, expressamente contrariou a decisão de sua equipe técnica, manifestada no Parecer Técnico 06/2010, no que diz respeito à vazão ecológica a ser mantida no longo trecho de vazão reduzida (TVR) que será criado no rio Xingu, de mais de 100 km de extensão.
Nesse importante trecho do rio (conhecido como a “Volta Grande do Xingu”) vivem centenas de famílias, incluindo aquelas que vivem em 2 terras indígenas, que dependem diretamente do rio para comer, beber, se locomover, dentre outras atividades cotidianas fundamentais. De acordo com o arranjo de engenharia da obra, esse trecho sofrerá uma “seca permanente”, pois grande parte da vazão do rio será desviada para os canais a serem construídos, que por sua vez direcionarão a água diretamente às casas de máquinas, para gerar energia. Como não é permitido secar totalmente um trecho do rio, o projeto deveria prever que fosse liberada uma determinada vazão nesse trecho, suficiente para manter os processos ecológicos básicos e os modos de vida da população que ali permanecerá.
A proposta do empreendedor para a vazão ecológica do TVR, denominada de “hidrograma de consenso”, foi expressamente rejeitada pela equipe do IBAMA no Parecer Técnico 06/2010. Segundo este, “o hidrograma de consenso, devido à existência de anos com vazões de cheia inferiores a 8.000 m3/s, não apresenta segurança quanto à manutenção do ecossistema para o recrutamento da maioria das espécies dependentes do pulso de inundação, o que poderá acarretar severos impactos negativos, inclusive o comprometimento da alimentação e do modo de vida das populações da Volta Grande”. Por essa razão, conclui que “com base nas informações hoje disponíveis, esta equipe considera necessária a afluência da vazão média mensal, no mês de abril, de pelo menos 8.000 m3/s no Trecho de Vazão Reduzida e, portanto, a não aceitação do Hidrograma e do Hidrograma de Consenso”.
Não obstante essa conclusão técnica clara e inequívoca, a Licença Prévia não só não a levou em consideração, como a contrariou. Em seu item 2.1., dentro das condições específicas, define que a vazão no TVR será aquela estipulada no “hidrograma de consenso”, o qual deverá ser “testado” durante os seis primeiros anos de funcionamento da usina para então se avaliar as consequências e eventualmente reformular a Licença de Operação.
Ora, segundo os prognósticos feitos pelo próprio EIA, as consequências mais prováveis são sabidas, e exatamente por isso a equipe técnica rejeitou o “hidrograma de consenso”. Se ocorrer o que foi previsto no EIA e pela equipe do IBAMA – comprometimento do ciclo de vida de muitas espécies aquáticas e consequentemente da alimentação e do modo de vida das populações da Volta Grande –, haverá não só óbices jurídicos à própria operação do empreendimento, como também um elevado custo de compensações, indenizações e relocamentos que não foram contabilizados no EIA, na licença ou no Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica – EVTE do empreendimento. Se, por outro lado, o hidrograma aprovado pela LP vier a ser revisto, em consequência de seus efeitos nefastos para a vida na Volta Grande, a própria produção de energia do empreendimento seria afetada, o que também não foi previsto no EVTE e tampouco em qualquer cálculo oficial elaborado até o momento.
Linhas de transmissão não foram licenciadas
Além do anteriormente descrito, a licença outorgada não analisou os impactos da linha de transmissão a ser construída para escoar o total da energia gerada ao Sistema Interligado Nacional, cujo projeto sequer foi contemplado no decorrer do processo de licenciamento ambiental, o que contraria frontalmente a Resolução CONAMA 01/86, e gera graves riscos de ordem socioambiental, na medida em que não se sabe quais serão os impactos que serão causados, muito menos os custos para sua mitigação ou compensação.
Responsabilidades do Fundo PREVI
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), em seu art. 14, dispõe que o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores a multa, perda de benefícios fiscais, suspensão de atividade e a indenizar ou reparar, independentemente da existência de culpa, os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. Esse dispositivo, mais do que simplesmente exigir a apresentação de um documento formal, tem por objetivo evitar que seja concedido financiamento a projetos inviáveis do ponto de vista socioambiental, pois, à luz da PNMA, o agente que financia projetos e/ou atividades causadoras de lesões ao meio ambiente estará exercendo uma atividade de cooperação ou mesmo de coautoria, devendo responder, então, pela degradação ambiental provocada pelo responsável direto pelo empreendimento financiado (art. 3º da Lei 6938/81), sobretudo porque, como é cediço, em matéria ambiental, a responsabilidade pelo dano é objetiva.
Já na esfera da autoregulação do setor financeiro, os Princípios de Investimentos Responsáveis, conhecidos por sua sigla em inglês como PRI, e dos quais o Fundo PREVI é signatário, afirmam que “Na condição de investidores institucionais, temos o dever de priorizar os melhores interesses de longo prazo de nossos beneficiários. Neste papel de fiduciários, acreditamos que temas como meio-ambiente, desenvolvimento social e governança corporativa (ESG) podem afetar o desempenho das carteiras de investimento […]. Também reconhecemos que a aplicação de tais princípios podem alinhar melhor os investidores aos maiores objetivos da sociedade.” Dado o seu perfil de risco, cabe constatar que o AHE Belo Monte não prioriza os melhores interesses de longo prazo dos beneficiários do Fundo PREVI, e que tal investimento não está alinhado aos maiores objetivos da sociedade.
Referente aos normativos da própria Previ, cabe ressaltar os seguintes pontos:
– O Art. 1.2 de Código de Ética da PREVI destaca, entre outros, o valor da responsabilidade socioambiental.
– O Código Governança Corporativa diz que ”A PREVI realiza seus investimentos em empresas rentáveis e socialmente responsáveis que, além de cumprir com suas obrigações legais, promovem ações que beneficiam as comunidades nas quais estão inseridas; fornecem condições adequadas de segurança, saúde e desenvolvimento para os trabalhadores; cuidam da preservação do meio ambiente e do desenvolvimento econômico e social. Os processos prejudiciais ao meio ambiente devem ser identificados e revistos. É imprescindível o uso exaustivo de medidas preventivas.” (Grifes nossos)
– A política de responsabilidade socioambiental, no seu Art. 5.2.1 a), reconhece a necessidade de “Incluir aspectos socioambientais na análise e seleção de investimentos […] e ressalta no seu Art. 1. 5: “A PREVI aceita a ideia de que a adoção de práticas de responsabilidade socioambiental possa implicar recusar oportunidades aparentemente rentáveis, quando essas, e alguma forma, representarem um risco para o ambiente (social, natural e econômico) no qual atua. Os resultados sustentáveis de longo prazo e os ganhos em manter um ambiente saudável compensam a eventual recusa de aparentes oportunidades.” O Art. 2.1 acrescenta: “A PREVI adota, ao definir esta Política, o entendimento de que o conceito de RSA é abrangente e, por ser este um de seus valores, deve permear a forma de pensar e realizar suas ações.”
Diante dos pontos acima levantados, de acordo com seus próprios normativos e regimentos internos, o investimento – direto ou indireto – no AHE Belo Monte, confronta os princípios e diretrizes apontadas pela própria PREVI e acordados com a sociedade e seus próprios previdenciários. Essas diretrizes representam compromissos da empresa com suas partes interessadas e com a sociedade em geral.
Conclusão
Diante de todo o exposto, sendo do conhecimento do NOTIFICADO:
a) que a Licença Prévia 342/2010, referente ao empreendimento AHE Belo Monte, tem vícios graves, por haver desconsiderado e contrariado conclusões dos pareceres da equipe técnica do IBAMA, que apontam para a impossibilidade de se decidir, com as informações disponíveis, sobre a viabilidade do empreendimento;
b) que, em função do acima disposto, e pela existência de três ações judiciais a respeito, o leilão para concessão do aproveitamento hidrelétrico realizado em 20.04.2010 pode ser judicialmente anulado a qualquer momento;
c) a altíssima probabilidade de que, caso o empreendimento venha a ser instalado e entre em operação, ocorra impactos socioambientais de grande magnitude que não foram adequadamente previstos e, portanto, cujos custos de prevenção, mitigação, compensação ou indenização não foram dimensionados e internalizados no custo total do projeto;
Vêm os NOTIFICANTES dar ciência ao NOTIFICADO de que:
- A emissão da Licença Prévia 342/2010 e a conclusão do leilão do dia 20 de abril de 2010 não devem ser entendidas pelo NOTIFICADO como garantia suficiente de que os graves problemas socioambientais do empreendimento AHE Belo Monte foram adequadamente avaliados e equacionados e, portanto, que o projeto está apto a ser financiado;
- Não deve o notificado financiar a construção do empreendimento AHE Belo Monte ou investir nele sem que antes os graves problemas apontados sejam resolvidos, ou seja, sem que seja reconhecida a nulidade da licença ora em vigor.
- Se os problemas não forem resolvidos e o NOTIFICADO vier a ser financiador do empreendimento, como anunciado, ele se tornará, automaticamente, responsável solidariamente por todos os danos ambientais que vierem a ocorrer, nos termos do artigo 14, § 1º, da lei 6.938/81, inclusive daqueles não previstos ou assumidos pela LP 342/2010.
- Se os eventos danosos anunciados nos pareceres técnicos do IBAMA e nas ações civis públicas, alguns deles aqui reiterados, vierem efetivamente a ocorrer, o NOTIFICADO poderá ser responsabilizado por todos os custos decorrentes dos impactos sobre a fauna, flora e pessoas da região, quaisquer que sejam os seus valores, e inclusive aqueles que são impossíveis de se valorar.
A presente NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL, estampada em 02 (duas) vias assinadas e rubricadas, representa a salvaguarda dos legítimos direitos transindividuais.
Certos de que seremos prontamente atendidos nesse cordial pedido, desde já agradecemos sua compreensão.
Organizações locais que assinaram a notificação (22 entidades) :
1. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Senador José Porfírio
2. Movimento de Mulheres Campo e Cidade – Para – MMCC
3. Fundação Elza Marques
4. Prelazia do Xingu
5. Sindicato dos Trabalhadores em Educação Publica do Para Regional Xingu – SINTEPP
6. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Altamira
7. Associação dos Índios Moradores de Altamira – AIMA
8. Associação dos Pequenos Produtores da Gleba Paquiçamba
9. Radio Comunitária Araweté – Vitoria do Xingu
10. Fundação Tocaia
11. Conselho Indígena de Altamira – COIA
12. Sociedade Criativa Literária São Francisco de Assis – SOCALIFRA
13. Sindicato das Trabalhadoras Domesticas de Altamira e Região
14. Geoambiente
15. Sindicato dos Trabalhadores em Educação Publica do Para Subsede Altamira – SINTEPP
16. Comitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses
17. Associação dos Pilotos de Voadeiras e Barcos de Altamira
18. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Vitoria do Xingu
19. Fórum Popular de Altamira
20. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Porto de Moz
21. Grupo SOS Vida
22. Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade – MMTA/CC