Os ribeirinhos que vivem nas margens do Xingu, ou nas centenas de ilhas que se formam ao longo do rio, serão afetados pela construção da Usina de Belo Monte e muitos ainda não sabem onde vão morar quando as águas começarem a subir (Valor Econômico, 07/06/2011).
Entre as várias ações compensatórias exigidas para a liberação da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), há uma de completa urgência que, até agora, nem o governo nem o Consórcio Norte Energia conseguiram entregar: a informação correta e objetiva à população local sobre como suas vidas e a região serão afetadas pela maior obra energética do país.
Durante uma semana, o Valor conversou com ribeirinhos, representantes indígenas, diretores de associações, donos de comércio e simples habitantes da região. A reclamação de falta de clareza sobre a obra e seus impactos é unanimidade entre os habitantes das principais cidades que margeiam o Xingu. Embora o governo e empresários insistam na tese de que Belo Monte é o projeto de hidrelétrica mais estudado da história, com 35 anos de análises, polêmicas e alterações, a realidade mostra que até agora pouco desse conhecimento foi de fato traduzido para a população, uma situação que só faz aumentar os conflitos em torno da obra.
Na sexta-feira, o governou oficializou a criação de um grupo para liderar as ações sociais ligadas a Belo Monte. Durante a cerimônia do chamado “Comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu” – que reúne a Casa Civil, o governo do Pará e os prefeitos dos onze municípios que serão atingidos pela construção da usina, além de uma série de ONGs e associações – cerca de 50 manifestantes entraram no centro convenções de Altamira para protestar contra a criação do comitê e a maneira com que o governo federal tem conduzido o projeto. Houve gritaria, choro, dedos apontados para a cara de prefeitos e cartazes de protestos. A Polícia Militar e a guarda municipal foram chamadas para acalmar os ânimos. Com faixas espalhadas pela sala, os manifestantes afirmavam que a “tropa de choque do governo federal vai gerenciar a morte da Amazônia”. O governo da presidente da República, Dilma Roussef, que já foi ministra de Minas e Energia, foi chamado de “ditador, prepotente e autoritário”.
Para evitar bate-boca, os representantes do comitê deixaram que os manifestantes do Movimento dos Afetados por Barragem (MAB), lideranças indígenas e do Movimento Xingu Vivo para Sempre se pronunciassem. Moisés da Costa Ribeiro, porta-voz do MAB, disse que Belo Monte foi um projeto “feito nas gavetas de Brasília”, que o povo da região não será beneficiado pela obra e que a usina não é um fato consumado.
Os protestos foram aplacados com a resposta dos prefeitos e deputados presentes. Odileida Sampaio (PSDB-PA), prefeita de Altamira, disse que “está na hora de o projeto de Belo Monte ser tratado de maneira séria e não passional”. Esse alegado sentimentalismo que governo e empresários tanto querem evitar, no entanto, nada mais é que o resultado da escassez de informações que chegam à população, e muitas vezes confusas e distorcidas, comenta Doto Takak-Ire, líder caiapó na região do Xingu médio e coordenador da Funai em Altamira.
Quando o governo anunciou que o Ibama havia liberado a licença de instalação de Belo Monte, na quarta-feira da semana passada, a informação correu feito pólvora entre as milhares de casas erguidas sobre as palafitas dos igarapés em Altamira e região. Até agora, não se fala em outra coisa entre os barracos espalhadas nas margens. Todo esse barulho, no entanto, está impregnado de dúvidas e apreensão. As quase 20 mil pessoas que vivem na região sabem que, em algum momento – e esse momento deve ocorrer em breve – terão de sair dali para serem reassentados em outro local. O que elas ainda não sabem é para onde ir, em que condições, com que tipo de compensação.
Dúvidas também se espalham pelas margens e ilhas do Xingu
As dúvidas também se espalham pelas margens e centenas de ilhas que se formam ao longo do Xingu, onde vivem milhares de ribeirinhos, famílias que tiram seu sustento do rio. O relatório de impacto ambiental de Belo Monte aponta que há cerca de 3 mil pessoas vivendo nessas condições, se considerada apenas aquelas que habitam a região que será diretamente impactada pela obra, ou seja, as áreas que não terão mais os ciclos naturais de cheia e seca, por causa das barragens.
“Acho que demorou muito para esse negócio acontecer, então ficou todo mundo meio desacreditado de que a obra começaria algum dia”, diz Carlos Loureiro, dono do restaurante Kalini, lugar onde se come o melhor peixe de Altamira. Comprador regular dos peixes fornecidos pelos ribeirinhos, o Kalini está entre locais que terão de fechar as portas porque a água vai subir.
“Fazer o quê? O progresso tem que vir. Quando o Estado quer uma coisa, não tem como ir contra”, diz Loureiro, já resignado com a ideia de ter que levar seu restaurante para outro lugar.
Com fotos emolduradas que mostram momentos de seca e cheia do Xingu, fenômeno que faz com que o nível de água oscile em até oito metros de altura, conforme a época do ano e o humor do rio, Loureiro diz que é favorável à obra. “Nossa região precisa melhorar. E a gente sabe que quando o governo quer uma coisa, não tem jeito. Eles vão atropelar a gente como atropelaram o Ministério Público Federal”, diz. Nos últimos dois anos, o MPF do Pará tem sido um dos órgãos mais combativos em relação a Belo Monte.