14.03, dia de Luta – Prestação de contas do riocídio da Amazônia: um panorama desolador das hidrelétricas do Governo Federal

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Em 8 de fevereiro de 2011, foi entregue ao governo federal, durante audiência com a Secretaria Geral da Presidência, um documento subscrito pela Aliança dos Rios da Amazônia – composta por movimentos de resistência às hidrelétricas nas bacias dos rios Madeira, Xingu, Teles Pires e Tapajós – com uma relação de denúncias e demandas acerca da política energética do país e, mais especificamente, referentes à construção de 16 hidrelétricas – em andamento ou projetadas – nestes territórios.

Passado mais de um ano, este documento nunca recebeu resposta ou comentários por parte do Planalto.

Diante do covarde silêncio do governo, neste dia 14, Dia Internacional de Luta Contra as Barragens, a Aliança dos Rios da Amazônia presta contas à sociedade brasileira sobre o que ocorre nas barrancas de seus rios.  E faz um apelo: por eles, pelas nossas matas e pelos nossos povos conspurcados, despejados, desalojados, destruídos, desesperançados, ameaçados e injustiçados, nem um minuto de silêncio. Mas uma vida inteira de lutas.

As contas que paga o Madeira
As usinas do Madeira, Santo Antonio e Jirau, são uma tenebrosa comprovação de que as previsões de desastres sociais, ambientais e trabalhistas inerentes a este tipo de empreendimento não são meros palpites de seus opositores.

No final de janeiro de 2012, a abertura das quatro comportas da UHE Santo Antônio provocou grande banzeiro no rio, desbarrancando parte do histórico Bairro Triângulo, forçando dezenas de famílias a deixarem suas casas e irem para hotéis – verdadeiros campos de concentração -, sem perspectiva e garantia de novas moradias.

Com o episódio da revolta dos trabalhadores em março de 2011, que provocou a destruição do canteiro de obras em Jirau e a suspensão dos trabalhos em Santo Antônio, foi revelada a fragilidade do cumprimento dos direitos trabalhistas, e a Justiça do Trabalho acabou condenando empresas prestadores de serviços por crime de escravidão. Nestes dias, nova paralisação dos trabalhadores em Jirau indica que a escravidão continua e as empreiteiras não são punidas.

Crimes ambientais, como desmatamentos ilegais às margens do rio e a mortandade de peixes nos reservatórios das usinas de Santo Antônio e Jirau e no rio Jaci-Paraná, estão colocando em risco a segurança alimentar e a geração de renda dos pescadores tradicionais. Já os ribeirinhos expulsos, realocados ou não em agrovilas, continuam sem receber pela terra que ocupavam e sem perspectiva de vida nos reassentamentos, uma vez que muitas casas já se encontram rachadas e não há espaços para plantios.

 

As contas pagas pelo Xingu
Desde que o governo federal retomou o projeto da construção da hidrelétrica de Belo Monte no início dos anos 2000, a sucessão de irregularidades no licenciamento da usina foram tão gritantes que levaram à demissão de quatro funcionários graduados do Ibama – entre eles, dois presidentes do órgão. Também geraram mais de 10 Ações Civis Públicas na Justiça que, se forem deferidas, param a construção da usina.

Seguidamente, pareceres técnicos de órgãos federais e municipais, como o Ibama, o Ministério Público Federal e a prefeitura de Altamira, apontaram incongruências e desvios nos processos de licenciamento e mitigação, no cumprimento de condicionantes e no sub-dimensionamento de impactos, recomendando a não-instalação, a paralisação e a punição dos responsáveis pela obra.

Belo Monte é um dos exemplos mais cabais de que as projeções de impactos sociais e ambientais se concretizam em tempo recorde: a previsão de que a migração descontrolada desestabilizaria a região se comprovou, levando a aumentos desmedidos da violência, do custo de vida e dos impactos ambientais.

Altamira foi campeã de desmatamento da Amazônia em 2011, os números de assassinatos tiveram aumento de mais de 30% no último ano, dezenas de agricultores e ribeirinhos foram compulsoriamente desapropriados sem a o pagamento devido, há dezenas de crianças fora da escola, e as famílias que permanecem na terra estão sendo obrigadas a conviver com poluição sonora e doenças, como depressão e hipertensão – não podem mais descansar e dormir porque as empresas trabalham dia e noite nas obras, e o barulho de maquinas derrubando  florestas, abrindo enormes crateras e explodindo dinamites é ininterrupto. Já o primeiro barramento do rio desalojou cerca de 400 moradores de Altamira no início de fevereiro.

Entrementes, o governo se negou a cumprir a Constituição Federal, não realizou as oitivas indígenas obrigatórias, e reagiu com extrema truculência a questionamentos de instâncias como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, acerca do desrespeito a convenções internacionais das quais é signatário.

As contas que paga o Teles Pires

No rio Teles Pires, onde o governo prevê a construção de seis hidrelétricas, os maiores impactados serão os indígenas Kayabi, Apiaka e Munduruku do baixo curso do rio Das seis usinas, duas – Colíder e Teles Pires – já estão em adiantada fase de construção.

É de conhecimento do Estado brasileiro, segundo documentação histórica e pesquisas etnográficas, que estes povos vivem no Vale do médio e baixo Teles Pires há pelo menos dois séculos. Atualmente, um grupo Kayabi divide com os Apiaká e Munduruku uma área repleta de problemas e ameaças, cujo processo de demarcação se arrasta por mais de vinte anos.

O estudo de componente indígena da Usina Hidrelétrica de Teles Pires, já em construção, ainda não foi concluído e em nenhum momento o Estado brasileiro considerou seriamente a importância ambiental, cultural e sagrada dos locais a serem impactados pela usina, como a cachoeira das sete quedas.

Já a usina de Colíder está sendo construída sobre aldeias antigas dos Kayabi. Deve-se ressaltar que os Kayabi jamais foram consultados e sua opinião jamais foi realmente considerada ao longo do processo de licenciamento e início destas obras. No dia 1º de dezembro de 2011, os Kayabi, Apiaka e Munduruku enviaram às autoridades competentes um documento onde constam todas as violações que estão sendo perpetradas por parte do governo, mas este documento jamais foi formalmente respondido ou considerado.

As contas que paga o Tapajós
Na região do Tapajós, o governo Dilma prevê a construção de três grandes barragens (UHEs São Luiz do Tapajós, Jatobá, e Chacorão) e quatro em seu afluente, o rio Jamanxim (Cachoeira do Cai, Jamanxim, Chacoeira dos Patos e Jardim do Ouro).  As hidrelétricas do Complexo Tapajós inundariam mais de 300,000 hectares, dos quais, mais de 93.000 ha em três parques e quatro florestas nacionais.

Em janeiro de 2012, a Presidente Dilma assinou a Medida Provisória 558, excluindo um total de 75.630 hectares de cinco unidades de conservação  que serão atingidos pelos reservatórios de São Luiz do Tapajós e Jatobá. A MP desconsiderou o artigo 225 da Constituição Federal, que determina que a alteração e a supressão de áreas protegidas são permitidas somente através de lei, e não houve a prévia realização de estudos técnicos e debate público sobre impactos sociais e ambientais, viabilidade econômica e alternativas às usina. Esta situação de ilegalidade levou a Procuradoria Geral da República a impetrar junto ao STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), com pedido de liminar, contra a  MP 558.

O povo amazônico espera que os Tribunais Superiores da nação façam valer sua independência diante das pressões do governo federal e cumpram sua missão de garantir os direitos humanos, o que não sem sido feito pelos tribunais locais, sobretudo o Tribunal Regional Federal da 1a Região, para vergonha do Judiciário brasileiro.

Já no final de 2010, funcionários a serviço da ELETRONORTE e suas empresas terceirizadas invadiam a Comunidade de Pimental, no Rio Tapajós, sem qualquer autorização legal ou esclarecimento da população, para realizar os estudos que deveriam resultar no alagamento da comunidade. Diante da resistência dos ribeirinhos, lideranças locais foram vitimadas pela abertura de inquéritos policiais sem qualquer fundamento, visando à sua criminalização e intimidação.

Igualmente preocupantes são os planos do governo de construir a mega-usina de Chacorão, perto de Jacareacanga, que inundaria nada menos que 18,721 hectares da Terra Indígena Munduruku. A Eletronorte já elaborou uma proposta de “desafetação” da TI Munduruku, que é completamente ilegal.

Diante do exposto, a Aliança dos Rios da Amazônia acusa o governo de premeditar a morte da mais importante floresta do Planeta, de seus rios e de sua gente. E conclama a população brasileira e a opinião publica internacional a se posicionar contra o brutal riocídio em curso no Brasil

14 de Março de 2012

 

Aliança dos Rios da Amazônia (Movimento Xingu Vivo para Sempre; Rio Madeira Vivo; Tapajós Vivo)

 

 

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