“Até final de fevereiro todas as casas dessa rua serão demolidas”, sentencia o engenheiro Marcelo Silva, ostentando no peito o crachá do Consórcio Norte Energia. Cercado de moradores indignados, Silva, acuado, aponta nervoso rua acima e abaixo a Sete de Setembro, localizada na Área Açaizal, bairro Centro, Altamira, PA.
O ocorrido se deu na última segunda feira, 9, e reforça as noticias que deram conta, no inicio de fevereiro, de que a Norte Energia pretende desalojar 2 mil famílias de Altamira até final de março na base do “custe o que custar”. A pressa da empresa se deve à urgência de extrair do Ibama a Licença de Operação (LO, solicitada nesta quarta-feira, 11) de Belo Monte, que permitirá o enchimento do reservatório da usina e o início da produção de energia, previsto inicialmente para 28 de fevereiro. Atrasos deverão custar aos empreendedores da hidrelétrica milhões em multa, caso a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decida cobrar o acordado.
Para obter a LO, no entanto, e se o Ibama optar pela exigência do cumprimento da lei, a Norte Energia deverá finalizar a execução das condicionantes pendentes das Licenças Previa e de Instalação de Belo Monte. Entre elas, a remoção e realocação de todas as famílias atingidas pela usina.
Diferente das imagens de frágeis palafitas que se equilibram sobre estacas fincadas em alagadiços imundos – as moradias dos “sortudos” a serem transferidos para as casinhas de concreto dos reassentamentos urbanos da Norte Energia -, amplamente divulgadas pelo Consórcio e pela imprensa, o que se vê na Sete de Setembro e seus arredores são casas sólidas, supermercado, comércio, igreja.
A casa mais bonita da rua tem um muro laranja e um portão de ferro que protegem uma bem cuidada entrada de azulejos e arranjos de plantas. Sua moradora é conhecida, não apenas em Altamira como em todo o país e até no exterior: Antonia Melo, 65, coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, está entre as milhares de famílias cadastradas pela Norte Energia como fadadas ao desalojo e que ainda não foram procuradas pela empresa com informações sobre indenizações ou reassentamento.
O terreno onde mora a família de Antonia tem 743,36 m2. A casa, grande, arejada e aconchegante, ocupa pouco menos da metade deste espaço, e nos fundos cresce livremente um jardim com inúmeras árvores frutíferas, flores e plantas ornamentais da Amazônia, que anualmente produz enormes quantidades de açaí, manga, bananas. “Em julho de 2014 os agentes da Norte Energia vieram aqui para cadastrar minha casa e nos comunicar que seremos removidos. Desde então nunca mais apareceram. Não sabemos quanto pretendem nos oferecer de indenização, não sabemos quando pretendem nos desalojar, não sabemos de nada”, comenta a mais ativa opositora de Belo Monte. E atenta para um detalhe importante: “Apesar de esta área pertencer ao centro de Altamira, a Norte Energia nos enquadrou como zona periférica para baixar o valor da indenização. Também não quer considerar a área construída dos nossos terrenos, argumentando que não temos saneamento e, portanto não seríamos proprietários de ‘área edificada’. E por cima de tudo isso ainda pretende utilizar o caderno de preços estabelecidos em 2012 para calcular os valores, o que é um completo disparate frente a hipervalorização dos imóveis e terrenos em Altamira nos últimos anos”, explica Antonia.
Situação idêntica vivem a dona do mercado Souza e Pena, Aparecida Souza, que ocupa toda uma esquina da Sete de Setembro, e Helio Melo da Cruz, cuja pensão de dois andares e 228 m2 ocupa outra esquina logo adiante, na Travessa Coronel Gaioso. Aparecida e Melo, como é conhecido, também foram procurados em julho pelo Consórcio Norte Energia, também nunca mais viram alma viva da empresa, também não sabem quanto receberão pelos estabelecimentos, e também não sabem para onde vão.
Enquanto deixa na incerteza grande parte dos moradores da Área Açaizal, a Norte Energia tem removido algumas famílias e demolido suas casas de forma aparentemente aleatória. De acordo com os moradores que discutiam com o engenheiro Marcelo Silva na última segunda, estas ações têm afetado severamente as casas vizinhas. “Vocês vem e destroem uma casa enquanto tem gente morando na casa vizinha. Abala tudo na nossa casa, tem perigo te cair nas nossas cabeças. O que vocês pensam que estão fazendo??”, questiona exaltado um morador, enquanto outro saca o celular para gravar o bate boca. Visivelmente nervoso, Silva não tem respostas. “Eu morava fora do país, voltei para o Brasil para ajudar vocês. Se essa gravação me prejudicar, eu vou embora!”, argumenta, desajeitado, o engenheiro.
Os reassentamentos
De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte (EIA, volume 33, item 12.9.4.3), o objetivo central do projeto de reassentamento das famílias desalojadas pela usina é “garantir condições de moradia superiores àquelas de que dispunha a população afetada antes da implantação do empreendimento”, como enfatiza o Ministério Público Federal em ação contra as estruturas do reassentamento.
Uma das vizinhas de Antônia já foi notificada do despejo iminente e enfrentou uma árdua batalha na Justiça para garantir um mínimo de compensação. Levou uma casinha no reassentamento Jatobá e conseguiu outra para sua filha. Deixou para trás uma casa grande com jardim, os amigos e as facilidades de morar no centro, e foi alojada em uma casa de concreto fino e quente, igual a centenas, em um terreno árido, distante mais de 8 km do comercio e do trabalho e completamente desprovido de transporte público. Distancia, falta de transporte também inviabilizaram o ganha-pão do pescador Cecílio Kayapó. “Depois da mudança, quase nunca mais trabalhei”, conta o indígena de olhar distante.
Também moradora de Jatobá, Vanessa Felix, que divide a casa com mais sete pessoas, além de todas as dificuldades enfrentadas por Gracinda e Cecílio, computa mais duas, graves: ela mora às margens da estação de tratamento de esgoto do reassentamento, uma grande fossa onde dia e noite, sem parar, caminhões pipa despejam dejetos recolhidos nas casas do bairro, deixando praticamente irrespirável o ar fétido na rua. De nada adiantaram as reclamações, e há um agravante: apesar de terem sido compulsoriamente despejados de suas casas pela Norte Energia, os reassentados não receberam nenhum título o outro documento comprovativo da posse da nova casa, o que porventura possibilitaria a venda da casa.
De acordo com o defensor publico federal Francisco Nobrega, que prestou atendimento legal à população afetada por Belo Monte desde meados de janeiro, esta situação é completamente irregular. Segundo o defensor, é feito um contrato entre as partes quando ocorre o deslocamento das famílias de suas casas para o reassentamento, mas isto não configura garantia de propriedade do novo imóvel. “A Norte Energia afirma que irá regularizar a situação dos assentados assim que terminar o processo de realocação das pessoas, mas no momento a situação é irregular”, explica. Questionado se há condições para que o Ibama conceda a Licença de Operação de Belo Monte, Francisco Nobrega é enfático: “Não. Nós da defensoria temos uma demanda enorme de moradores injustiçados, e com a precaríssima infraestrutura que temos para trabalhar só conseguimos atender os casos mais graves. Moradores que não receberam nada, casas novas que estão se desfazendo, e por aí vai. Ainda ha muito que resolver em termos de cumprimento das condicionantes”, afirma o advogado.
Texto e fotos: Verena Glass
Álbum de fotos: para ver em tamanho grande, clique sobre a imagem e novamente para ampliar
PAC DO PT… E UM PARÁ DE JOELHOS! Aguardo que corram com as investigações da Op. Lava-Jato para as obras da Eletrobras e outras….Curioso que as leis nacionais não valem para esse "Consórcio"?
E um absurdo quem destruir tudo!!!!
não podemos deixar vamos vamos assistir
Vamos fazer nossa parti! !!
Esta vamos assinar o baixo assinado
que já está rolando! !!