No dia em que o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, MG, completou um mês, centenas de manifestantes tomaram as ruas de Altamira, no Pará, para prestar solidariedade às vítimas da maior empresa de mineração do país. Atingidos pela hidrelétrica de Belo Monte, os paraenses também exigiram que outro projeto de proporções catastróficas, Belo Sun, que pretende ser a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil, seja definitivamente enterrado.
A marcha saiu do mercado de Altamira às 16 h e percorreu as ruas centrais da cidade, finalizando com um ato ecumênico celebrado pelo bispo emérito da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Kräutler. Comparando os projetos de Brumadinho e Belo Sun, o bispo ressaltou as características extraordinárias da Volta Grande do Xingu, uma das regiões mais megadiversas do país. Depois dos impactos de Belo Monte sobre a população local, enfatizou, um novo megaprojeto, cuja barragem de rejeitos seria quase três vezes maior do que a de Brumadinho, serial letal.
De acordo com a coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, Antonia Melo, o ato foi convocado pelo Fórum em Defesa de Altamira, e contou com a participação de militantes sociais, religiosos, estudantes, ribeirinhos, sindicalistas, comunidades, pescadores, assentados e outros setores atingidos pela hidrelétrica. “Sinto que a população está se mobilizando de novo. Faz tempo que não fomos tão bem recebidos pelos moradores de Altamira quando saímos às ruas na semana passada para convocar a manifestação. Está todo mundo muito machucado por Belo Monte e com medo de Belo Sun”.
Ainda segundo Antonia Melo, em uma reunião do Ministério Público com comerciantes na última semana, um empresário do Clube de Lojistas de Altamira teria se colocado claramente contra o projeto de mineração de Belo Sun. “Os empresários apoiaram Belo Monte e o comercio sofreu muito. Esta todo mundo quebrado, sem perspectiva, endividado. Belos Sun é visto como uma repetição e está sendo rejeitada por todos os setores”.
Na Justiça
O projeto da mina de ouro Belo Sun que, a poucos quilômetros do paredão de Belo Monte, quer instalar na Volta Grande a maior mina de ouro a céu aberto do país, teve seu licenciamento paralisado pela Justiça Federal no final de 2017. De acordo com decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, antes de qualquer coisa as populações indígenas que deverão ser impactadas terão que ser consultadas de acordo com a Convenção 169 da OIT. Neste sentido, os Juruna da Terra Indígena Paquiçamba já elaboraram um protocolo de consulta que, segundo decisão do desembargador Jirair Aram Meguerian, deve nortear o processo. O Ministério Publico Federal também exige que o licenciamento ambiental da mina seja feito pelo Ibama e não pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará (SEMAS). Inicialmente, a Justiça deferiu o pedido, mas posterior decisão de um juiz local retornou a pertinência à Semas. O MPF está recorrendo.
Vistoria da Volta Grande
Enquanto em Altamira a população se manifestava contra Belo Sun, os Ministérios Públicos Federal e do estado e as Defensorias Públicas da União e do Pará deram início a uma megamissão na região da Volta Grande do Xingu para verificar o estagio do cumprimento de condicionantes de Belo Monte e os impactos da hidrelétrica sobre as populações locais. Além dos quatro órgãos, participam representantes do Incra, do Ibama, da Funai, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, das Universidades Federais do Pará e de São Carlos (SP), das Nações Unidas e da União Europeia, além do Movimento Xingu Vivo para Sempre.
O objetivo é verificar se estão sendo cumpridas as obrigações estatais e as ações previstas no plano básico ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte para garantia da vida no trecho de vazão reduzida, o trecho do rio Xingu que deve ficar sob monitoramento por seis anos enquanto fornece 80% de sua água para as turbinas da usina.
De acordo com Ana Barbosa e Luiz Teixeira, integrantes do Xingu Vivo, a missão se dividiu em vários grupos que estão visitando comunidades e municípios entre os dias 25 e 26 de fevereiro. “Nós estivemos com a Defensora Agrária Pública do Estado, Andreia Barreto, no Travessão do Pirarara, em uma reunião que juntou comunidades de quatro travessões. O que vimos e ouvimos foi desolador. Não há políticas públicas, não há um projeto de vida para a população impactada por Belo Monte. Duas das escolas nas comunidades estão fechadas, não há merenda nem transporte adequado para as crianças, não há nem material de limpeza. As estradas estão em péssimo estado e as pontes todas comprometidas”, relata Ana Barbosa.
Segundo Ana Barbosa, está claro que Belo Monte tem impactos muito profundos e ainda desconhecidos na região, o que torna impossível que um projeto do porte de Belo Sun se instale e adicione novos problemas à Volta Grande. “Já foi estabelecido pelo Ibama que por pelo menos seis anos, enquanto perdurar a avaliação do que a diminuição do curso do Xingu na Volta Grande – o chamado Hidrograma de Consenso – por causa de Belo Monte causará às comunidades, é impossível se pensar em novo empreendimento na região. Esperamos que esta missão leve as autoridades a enterrar de vez o projeto de Belo Sun”.
Fotos: divulgação Xingu Vivo