Queria fazer uma oração para as vítimas do massacre no presidio de Altamira, mas não sei bem como começar.
Como orar por quem estava preso?
Se estava preso é porque cometeu um delito e merece estar na cadeia, dizem as autoridades, o estado democrático de direito, a sociedade hipócrita.
Mesmo assim eu quero fazer uma oração para os decapitados e todos que morreram naquela prisão sob supervisão do Estado.
Ja vi tantos de nós chorarem a morte de seus filhos, irmãos, primos em Altamira. Dona Maria, Seu Zé, Seu Raimundo, a Daniela, a Josefa…
Aquele rapaz que foi brutalmente assassinado no presidio de Altamira já tinha sido um ribeirinho, um agricultor; era pescador; era um extrativista do Iriri, do Xingu, ou era do Riozinho do Anfrísio.
Não era sem rosto, era negro, indígena, morava na ilha que foi inundada por Belo Monte, vivia na aldeia antes de Belo Monte, vivia da pesca do Xingu antes da Barragem, plantava cacau antes de Belo Monte, fazia farinha, vendia nas praias do Xingu hoje submersas, ia para a igreja aos domingos, jogava futebol e gostava muito de nadar naquele riozão.
Essa era sua identidade…
O rio era sua morada antes de Belo Monte.
Então para esse moço eu posso fazer uma oração, e não serei mal interpretada
Mas não é para ele somente a minha oração, é para todos os que foram decapitados no presidio de Altamira. Esses que foram aquele moço outrora, mesmo que tenham vindos de outras partes do meu país, e que deixaram de ser porque alguém arrancou as suas raízes, porque Belo Monte os perdeu no mundo, e o mundo os engoliu, e eles deixaram de ser.
A minha oração, queria que mostrasse toda a profundidade da minha dor. Mas queria também que ajudasse a curar essa dor, a minha, a das famílias, a de Altamira, do Xingu, de todos nós que precisamos de cura. Minha oração, queria que inspirasse força, coragem, dignidade, empatia, acolhimento. Minha oração, queria que trouxesse alento aos que se foram e aos que ficaram. Sobretudo, queria que minha oração fluísse para o universo e ecoasse pelo infinito, e que envolvesse todo o mal, que dissipasse o mal, que abrisse um novo caminho para a luz.