Na última sexta feira, 22 de maio, foi divulgado o vídeo de uma reunião do presidente Bolsonaro com seus ministros, após liberação das imagens pelo Supremo Tribunal Federal. Nesta reunião, uma das falas mais emblemáticas do caráter genocida deste governo foi a do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que defendeu abertamente o desmonte, no tapetão, da legislação que ainda protege a floresta e seus povos, já que “ninguém está olhando”:
“(…) Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas (…) Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação (…), é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas as reformas”, disse Salles.
Segundo o monitoramento da ONG Imazon, o desmatamento da Amazônia no mês de abril bateu todos recordes dos últimos 10 anos. Foi um aumento de 171% em relação ao mesmo período de 2019, e Altamira está no topo da lista: mês passado, foram derrubados 72 km² de floresta no município.
Altamira – que, segundo o IBGE, tem mais de 1,5 milhão de hectares ocupados pelos pecuaristas -, está em vários topos: o da violência, das ameaças de morte, dos crimes ambientais, das irregularidades fundiárias, das vítimas do modelo de desenvolvimento. E agora vai galgando outra estatística: a da fome.
Apenas na Volta Grande do Xingu e seus arredores, o Movimento Xingu Vivo e o Ministério Público Federal contabilizaram mil cento e oitenta e quatro famílias de 50 comunidades onde a fome está se instalando. Com as chuvas que castigam a região e a abertura das comportas da usina de Belo Monte, a água está invadindo casas e cobrindo roças, e a comida plantada que, em tempos de isolamento imposto pelo coronavírus, deveria garantir o mínimo de segurança alimentar, está apodrecendo no fundo do rio.
O povo aterrorizado com o coronavírus, preso em casa sem poder se manifestar, as roças destruídas, a água e a fome tomando as casas, e o desmatamento, a grilagem e a violência se alastrando com apoio do ministro. Mais de 22 mil mortos no país, mais de 2 mil só no Pará. É este o cenário que Ricardo Salles vê como oportunidade para legalizar crimes.
Mas o ministro mente quando diz que a imprensa não está atenta. No Brasil e no mundo, os crimes ambientais do governo Bolsonaro têm ocupado as manchetes de dezenas de jornais e, não podendo calar os jornalistas, a vingança do ministro recai sobre seus próprios funcionários. Depois de uma série de reportagens do programa Fantástico sobre o trabalho de fiscalização do Ibama no combate ao garimpo e ao desmatamento ilegais, Salles simplesmente exonerou… os fiscais.
Nos territórios, nós, os movimentos e os Núcleos Guardiões, estamos desesperadamente tentando combater a fome dos nossos com a construção de redes de cuidado, porque, mais do que nunca, nessa pandemia os de baixo estão cuidando dos de baixo e os coletivos estão cuidando o coletivo.
Salles já sofria processos por crime ambiental antes de ser ministro. O Ministério Público Federal pediu que fosse investigado por causa das exonerações no Ibama. Sua defesa de “reformas infralegais” (que não se encontram “perfeitamente de acordo com os mecanismos legais”, segundo o dicionário), sua intenção de “passar a boiada” sobre nossos direitos, de fazer mudanças na área ambiental “de baciada”: onde está o Judiciário para punir? Por que ainda não nos livrou dessa gangrena?
A pandemia, o medo da morte e agora também a fome estão deixando mais fracos os nossos corpos. Estamos lutando desesperadamente para sobreviver. Então apelamos à Justiça que cumpra seu papel, porque nós já não damos conta de mais esta batalha.
Fora Ricardo Salles! Fora Bolsonaro!
Altamira, 24 de maio de 2020
Movimento Xingu Vico para Sempre