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Prefeitura de Altamira propõe regulamentação de Royalties de Belo Monte. Movimentos cobram participação e MPs endossam

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Por Verena Glass
Desde que Belo Monte começou a gerar energia comercialmente, em abril de 2016, a empresa Norte Energia, concessionaria da usina, passou a pagar para o poder público a chamada Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH), também conhecida como os Royalties de Belo Monte. Estes royalties equivalem a 7% do ganho mensal da empresa com a venda de energia, dos quais 0,75 vão direto para a Agencia Nacional das Águas (ANA).

Dos recursos restantes, 10% são destinados o governo federal, 25% vão para o estado do Pará e 65% são destinados aos municípios que tiveram seu território alagado pelo lago de Belo Monte – no caso, Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo.


Entre os municípios, Altamira, que tem a maior área alagada, recebe mais royalties. No ano passado, foram R$ 48.793.795,81 (quarenta e oito milhões, setecentos e noventa e três mil e setecentos e noventa e cinco reais e oitenta e um centavos). Mas como cada ano a quantidade de energia gerada varia dependendo do clima e da quantidade de água do rio Xingu, esses valores nunca são iguais. Por exemplo, em março de 2020, Altamira recebeu um pouco mais de R$ 5,4 milhões. Já em março desse ano, por conta da grande seca que a região sofreu no final do ano passado, a prefeitura recebeu “apenas” cerca de R$ 2,2 milhões.

O problema é que os royalties de usinas hidrelétricas, como Belo Monte, são um recurso “não carimbado”; ou seja, não existe uma legislação que define onde deve ser aplicado e quais as áreas prioritárias para seu investimento. E no caso de Altamira, desde 2016 esse dinheiro simplesmente desapareceu do radar.

No ano passado, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) e a Unifesspa fizeram um esforço para mapear a destinação dos royalties de Altamira no ano de 2019, mas, de acordo com Alessandra Cardoso, pesquisadora do Inesc, apenas 2 dos 47 milhões que entraram nos cofres da prefeitura foram registrados de forma transparente, destinados à Secretaria de Obras. E desses 2 milhões, foi detectado que ao menos R$ 228 mil foram gastos na Churrascaria Casa Nova.

Já o Ministério Público do Estado do Pará abriu, em 2018, um procedimento administrativo para fiscalizar o uso dos recursos, buscando rastrear o dinheiro via depósitos bancários em diversas contas da prefeitura. De acordo com o promotor Daniel Bona, no entanto, o resultado foi praticamente o mesmo. “Constatamos que de fato há muito pouca transparência na aplicação desse dinheiro, e não conseguimos entender em que setores a prefeitura está gastando essa verba”, afirmou.

Regulamentação
Nos últimos anos, a falta de transparência na aplicação dos royalties e a completa inexistência de critérios sobre as áreas onde os recursos devem ser investidos têm sido uma preocupação dos movimentos sociais de Altamira, mas o debate se intensificou em 2020 por causa da pandemia.

Xingu Vivo entrega cestas básicas pagas pelo MPT a familias da Volta Grande

“É revoltante a gente só ter informações sobre o destino de 2 dos 47 milhões que o prefeito de Altamira recebeu em 2019. E é mais revoltante a gente saber que R$ 228 mil foram gastos em churrasco pelo pessoal da Secretaria de Obras! No ano passado, o Ministério Público do Trabalho repassou pro Xingu Vivo um valor parecido pra gente comprar e entregar cerca de 3.600 cestas básicas pra 1.180 famílias ribeirinhas que estavam passando fome na pandemia. É pra eles que o dinheiro dos royalties tinha que estar sendo destinado, pro povo que perdeu tudo por causa de Belo Monte”, desabafa Ana Soares, do Xingu Vivo.

Nesse sentido, ainda em 2020 o Movimento Xingu Vivo, em parceria com o Inesc, o Centro de Direitos Humanos e Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Instituto Socioambiental (ISA) e outros movimentos de Altamira, promoveu um processo de debate sobre as possibilidades de regulamentação dos royalties, que partiu exatamente dessa premissa: se Belo Monte expulsou milhares de pessoas de suas terras e casas, se acabou com a possibilidade de ribeirinhos, pescadores, indígenas e demais beiradeiros de viver da pesca na Volta Grande do Xingu, se transformou Altamira em um dos municípios mais violentos e o mais desmatado do país, e se jogou centenas de famílias em reassentamentos urbanos precários e sem nenhuma perspectiva, é para essas pessoas que os royalties da usina devem ser destinados.

Desse debate, nasceu um documento que detalha três propostas: a) a destinação de parte dos royalties para a constituição de um Fundo Social, que, através de editais, possibilite o financiamento de projetos de reconstrução de um plano de vida das populações mais afetadas por Belo Monte; b) a constituição de um Conselho que gerencie esse Fundo; e c) a constituição de um Conselho Gestor, que acompanhe e fiscalize o uso, pela prefeitura, de todo o recurso dos royalties, e que garante que nenhum centavo desse dinheiro seja gasto em algo que viole qualquer tipo de direitos humanos.

O Projeto de Lei da Prefeitura
No último dia 9 de abril, os movimentos sociais de Altamira foram (positivamente) surpreendidos com a notícia de que o prefeito Claudomiro Gomes enviou à Câmara Municipal um Projeto de Lei (PL 020) de regulamentação dos royalties. Neste PL, a prefeitura já define uma porcentagem de recursos para diversas áreas, como saúde, educação, agricultura e segurança, entre outros.

Antonia Melo, coordenadora do Xingu Vivo

De acordo com Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo, apesar de comemorar a iniciativa da prefeitura, o PL tem três complicadores. “A gente acha que foi muito importante que o Executivo tomou a iniciativa de regulamentar os royalties, mas o problema é que a sociedade civil e principalmente os atingidos não foram ouvidos sobre isso. Essa é a primeira questão. A segunda é que o prefeito encaminhou o projeto em caráter de urgência urgentíssima para os vereadores, o que não daria tempo da gente participar de qualquer debate e apresentar as nossas propostas. Uma terceira preocupação é que no PL não tem nada sobre a transparência nos gastos desse dinheiro”.

Preocupado com estas questões, o promotor Daniel Bona se reuniu com o prefeito no dia 19 de abril, quando ambos assinaram um Compromisso de Ajustamento de Conduta no qual a prefeitura se compromete a criar um sistema de transparência e monitoramento dos royalties em sua página. Neste documento, também consta o compromisso de que o Executivo fará a escuta da sociedade civil. “O prefeito Claudomiro Gomes, acompanhado de sua assessoria jurídica, aceitou assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, um acordo com o Ministério Público com algumas obrigações pertinentes à transparência da verba dos royalties de Belo Monte. E o que é muito importante, o prefeito se comprometeu a receber a sociedade civil organizada, os movimentos sociais, afim de ouvi-los sobre propostas que podem ser agregadas ao projeto de lei, visando a divisão e a gestão desses valores”, explicou o promotor.

Demandas dos movimentos sociais
No mesmo dia, o Xingu Vivo, acompanhado de outros movimentos, de pesquisadores da FGV e do Inesc, e de uma advogada do Isa, fizeram uma reunião com o presidente da Câmara dos Vereadores, Silvano Fernades, com a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Thais Nascimento, com o relator do PL na CCJ, David Teixeira, e outros vereadores, para apresentar as propostas do Fundo Social e dos Conselhos, mas principalmente para demandar a organização de audiências públicas com a população.

Nesta reunião, os parlamentares se comprometeram a adiar a votação do PL, que estava prevista para este dia 27 de abril, para que haja mais tempo de debates, e também prometeram estudar os documentos e propostas apresentados pelos movimentos. Reunião semelhante ocorreu no dia 26 com o prefeito. Apesar de se dizer disposto a analisar as reivindicações dos movimentos, Claudomiro Gomes afirmou que, durante sua campanha eleitoral em 2020, ja teria ouvido as populações, e deu a entender que quaisquer modificações no PL teriam que ser negociadas com os vereadores.

“Pra nós, essa posição do prefeito não contempla. Fazer campanha e conversar com o povo não tem nada a ver com consulta, ele nem era prefeito. Agora que é, tem que fazer uma escuta oficial sobre os royalties. O que a gente queria deixar claro para as autoridades é que nós, lideranças de movimentos sociais que participamos das reuniões, não podemos falar em nome das comunidades impactadas por Belo Monte. Ou seja, as conversas dessa semana a gente não considera que sejam audiências, mesmo porque foram pedidas por nós, não por eles. O que a gente quer é que eles organizem espaços amplos e democráticos de consulta do povo, convoquem as comunidades, escutem todo mundo e só depois a gente pode começar a discutir quanto dinheiro vai pra onde. Estabelecer porcentagens para uma área X ou Y antes de ouvir o povo não é a forma correta de exercer a democracia”, explica Antonia Melo.

Ribeirinhos da comunidade do Chicote, acima do lago de Belo Monte, discutem seu Plano de Vida e os desafios impostos pela construção de Belo Monte

Para oficializar a demanda por processos ampliados de escuta da população, um documento reivindicando a realização de Audiências Públicas, assinado por 26 movimentos, foi protocolado na Prefeitura, na Camara de Vereadores e no Ministério Público Estadual.

De acordo com o documento, “os Movimentos abaixo assinados reivindicam que sejam realizadas Audiência Públicas Virtuais com representantes de comunidades rurais e urbanas, representantes de organizações da sociedade civil e representantes dos movimentos sociais de Altamira em um prazo razoável de organização e garantida à ampla participação de interessados; Que nessas audiências sejam recolhidas propostas e demandas da população altamirense e suas organizações e movimentos que possam qualificar a Lei que regulamentará a CFURH em Altamira; Que estas propostas sejam devidas e respeitosamente analisadas e, se constitucionais e pertinentes, incluídas como emendas ao Projeto de Lei; E que se considere e priorize, nesse processo, as demandas das populações que mais sofreram perdas e foram mais afetadas pela construção de Belo Monte, afim de que estes recursos, advindos de uma obra que, contrariando promessas de desenvolvimento, tanto sofrimento causou e ainda vem causando às populações mais vulneráveis do município, possam apoiar processos de reparação e reconstrução de seus modos de vida”.

É importante lembrar, frisam os movimentos, que as populações indígenas e tradicionais (como ribeirinhos, pescadores e beiradeiros em geral) têm o direito legal de serem consultados sempre que um projeto ou lei possam afetar as suas vidas, de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (que o Brasil assinou em 2004). Esse direito também se aplica a grande parte dos moradores dos RUCs (reassentamentos urbanos) deslocados de seus teritórios por Belo Monte.

“Tanto o prefeito quanto o presidente da Camara garantiram pra nós que estão ouvindo uma série de representantes de vários setores de Altamira, o que é importante. Mas a gente queria lembrar que as políticas públicas deveriam ser cobertas pelo orçamento normal do município; e que os setores empresariais, por exemplo, têm possibilidade de captar dinheiro na iniciativa privada. Por isso a gente entende que os royalties devem ser aplicados em medidas sociais complementares, atendendo prioritariamente as comunidades que estão mais desassistidas. Os royalties têm que ser invetidos em escola e posto de saúde nos assentamentos, pras comunidades ribeirinhas e indígena, pros RUCs mais afastados. Tem que ter programa de segurança e cultura pra esse povo, e não pra empresário do turismo, por exemplo. É isso que a gente quer debater com as autoridades”, afirma Antonia Melo.

Recomendação interinstitucional
A necessidade que que o PL dos royalties seja discutido de forma mais ampla e democrática com a população de Altamira foi reconhecida também pelos Ministérios Públicos Estadual (MPE) e Federal (MPF), e pela Defensoria Pública do Estado (DPE). No dia 29 de abril, seis promotores do MPE, cinco defensores da DPE e um procurador do MPF assinaram uma recomendação ao presidente da Câmara, Silvino Fortunato, e à presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Thais Nascimento, na qual solicitam que a Casa realize as audiências publicas reivindicadas pelos movimentos sociais. No documento, os órgãos destacam que “a participação da sociedade civil não deve ficar restrita ao comparecimento físico nas audiências públicas, mas que possam ter voz ativa na escolha do conteúdo político ou administrativo das decisões consensualmente deliberadas”.

Podcast Banzeiro
Varias informações sobre os royalties foram discutidas no podcast do Xingu Vivo, o Banzeiro. Escute aqui:
1. Banzeiro 1: Inicia as discussões sobre os royalties ou CFURH (Compensação Financeira pelo Uso dos Recursos Hídricos) da usina de Belo Monte, com muitas dúvidas. O que é? Quanto dinheiro entra por mês em Altamira com esse pagamento? Onde é gasto?
2. Banzeiro 2: Comenta os problemas que o povo do Médio Xingu e de Altamira está enfrentando agora, como as queimadas que estão se alastrando na região, a fumaça e a fuligem que invade as casas, e a situação dos pescadores do Xingu, que já não conseguem se manter porque o rio está secando e os peixes morrendo. E fala sobre a parcela dos royalties ou CFURH (Compensação Financeira pelo Uso dos Recursos Hídricos) da usina de Belo Monte que vão para o governo do Pará. Onde é aplicado o recurso? Por que não beneficia os atingidos pela usina em municípios que não recebem royalties?
3. Banzeiro 4: Retoma o debate do CFURH/Royalties de Belo Monte, mas antes fala do trabalho de formação que o Xingu Vivo desenvolve com os Núcleos Guardiões em várias regiões de Altamira. Traz as preocupações dos pescadores e dos agricultores da Volta Grande do Xingu, e explica como Belo Monte tem sido responsável pela diminuição das águas na região, o que está prejudicando não só a pesca, mas também a agricultura, como explica o engenheiro florestal Thiago Castro Alves. Também conta com a participação da defensora pública Andreia Barreto, que explica uma ação contra a prefeitura de Altamira para que os ribeirinhos tenham melhor atendimento de saúde, e que pra isso podem ser usados recursos dos royalties da usina.
4. Banzeiro 5: Neste episódio, falamos novamente da falta de transparência da prefeitura de Altamira em relação à aplicação dos royalties de Belo Monte, mas descobrimos que em 2019 ao menos 2 milhões foram para a Secretaria de obras, que gastou mais de 200 mil reais em uma churrascaria. Participam Alessandra Cardoso, do Inesc, e Daniel Bona, promotor do Ministério Público Estadual.
5. Banzeiro 30: O Banzeiro N. 30 volta a discutir o tema do primeiro programa: os royalties de Belo Monte. Nessa edição, explicamos que a prefeitura fez um projeto de lei pra regulamentar os gastos desse dinheiro, mas que queremos participação do povo nessa decisão, quremos que parte do recurso vá para um Fundo de apoio à reconstrução da vida dos atingidos, e que seja criado um Conselho para monitorar a aplicação dos royalties. Essas propostas serão apresentadas para o prefeito e os vereadores
6. Banzeiro 31: Nessa terceira semana de abril, tivemos dois Banzeiros, um seguido do outro, que falam sobre o projeto de regularização dos royalties de Belo Monte. Este segundo Banzeiro, antes de tudo, faz uma homenagem ao nosso amigo e companheiro Lilo Clareto, que faleceu na quarta feira, mais uma vítima do Covid e do desgraçado desse governo Bolsonaro. Sobre os royalties, o programa relata a reunião que o Xingu Vivo e parceiros fizeram com os vereadores de Altamira para apresentar uma proposta de criação de um Fundo, que deve receber dinheiro desses royalties e fazer editais pra população atingida desenvolver projetos produtivos. Também reivindicamos que o povo seja ouvido sobre a lei dos royalties, e recebemos a promessa de que os vereadores vão dar mais tempo para debater com a população e os movimentos sociais onde o dinheiro deve ser gasto.

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