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Defensoria Pública vai à Justiça pedir anulação de contrato entre Incra e Belo Sun

"O Incra afirma que a área não estaria mais sendo usada para reforma agrária, mas o próprio Incra sabe que houve compra ilegal de terras da região pela Belo Sun”

A Defensoria Pública da União (DPU) vai acionar a Justiça Federal para pedir a anulação do contrato firmado entre o Incra e a mineradora Belo Sun, que prevê a redução de uma área de assentamento agrário no Pará, com o objetivo de abrir espaço para a extração de ouro da região.

André Borges, O Estado de S.Paulo – BRASÍLIA – A Defensoria Pública da União (DPU) vai acionar a Justiça Federal para pedir a anulação do contrato firmado entre o Incra e a mineradora Belo Sun, que prevê a redução de uma área de assentamento agrário no Pará, com o objetivo de abrir espaço para a extração de ouro da região.

Conforme revelou reportagem do Estadão, o Incra, órgão do Ministério da Agricultura responsável pela política de reforma agrária no País, decidiu reduzir a área de um assentamento criado há 22 anos, na Volta Grande do Xingu, para abrir espaço a um garimpo industrial que pretende ser explorado pela empresa canadense Belo Sun. O empreendimento seria instalado a poucos quilômetros abaixo da barragem da hidrelétrica de Belo Monte.  

Assentamento Reserva
Incra fechou acordo com a Belo Sun para reduzir área de assentamento no Pará, em detrimento da mineração de ouro. Foto: Andrew Christian Johnson

“Está claro que esse contrato é nulo e tem que ser cancelado. Vamos pedir liminarmente a suspensão desse contrato e a sua anulação. Acionaremos a Justiça Federal em Altamira”, disse ao Estadão a defensora regional de Direitos Humanos no Pará Elisângela Machado Côrtes.

“Não houve nenhuma consulta às famílias locais. Nós obtivemos relatos de vários moradores que não foram consultados. Não houve publicidade do que seria feito. Também chama a atenção o fato de que não há um único ato formal do Incra determinando a desafetação (liberação) de uma parte de assentamento”, afirmou a defensora pública. A DPU também vai procurar o Ministério Público Federal para tratar do assunto.

Compra ilegal. A DPU confirmou que a companhia Belo Sun, antes de firmar o acordo com o Incra, fez a compra direta de diversos lotes do assentamento agrário com moradores locais, o que é ilegal.

“Veja a ironia dessa situação. O Incra afirma que a área não estaria mais sendo usada para reforma agrária, mas o próprio Incra sabe que houve compra ilegal de terras da região pela Belo Sun”, disse Cortês. “Na prática, o Incra está regularizando a grilagem. O órgão usa o ato ilegal da empresa para dizer que as famílias foram retiradas dali e que, por isso, não é mais usado para a reforma agrária. Isso é chancelar o crime.”

Assentamento Reserva
Apesar do acordo com o Incra, Belo Sun é acusada de ter comprado ilegalmente terras de assentamento. Foto: Andrew Christian Johnson

Acordo surpresa

A DPU e o MPF em Altamira tinham solicitado uma reunião com Belo Sun e com Incra, em 25 de novembro, justamente para tratar do assunto das terras locais. A reunião seria realizada no dia seguinte. Naquela ocasião, porém, ambos alegaram indisponibilidade de agenda e pediram para que o encontro fosse remarcado.

A reunião deixou de ocorrer e o contrato foi assinado às pressas no próprio dia 26, data prevista para o encontro. “É evidente que sabiam que o assunto seria esse e correram para assinar o contrato”, disse Côrtes.

Como mostrou o Estadão, o Incra concordou em reduzir uma área de 2.428 hectares da região, cortando o território do assentamento Ressaca e da gleba Ituna, onde vivem cerca de 600 famílias. Em troca, o Incra vai receber uma fazenda localizada a mais de 1.500 quilômetros de distância dali, no município de Luciara, em Mato Grosso, nas margens do Rio Araguaia.

O acordo aponta, especificamente, o repasse ao Incra da Fazenda Ricaville, que tem área de 1,898 mil de hectares. O órgão não explica a quem se destina a fazenda, nem menciona se pretende remover famílias do Pará para Mato Grosso. A negociação determina ainda que a Belo Sun compre, para o Incra, duas caminhonetes com tração 4×4 e de cabine dupla, dez notebooks, dez tablets, quatro scanners e quatro aparelhos GPS do tipo “RTK”.

O Incra declarou que o fato de ter aceitado uma fazenda em Mato Grosso como moeda de troca para reduzir e abrir espaço para a mineração de ouro em um assentamento no Pará se deve ao fato de não ter encontrado terra legalizada que pudesse ser adquirida para os assentados nas proximidades da região onde vivem.

“A empresa apresentou nova área como forma de compensação pela cessão pretendida no assentamento Ressaca. Nesta ocasião, foi ofertada a Fazenda Ricaville, com área de 1.898 hectares, no município de Luciara (MT). A área foi vistoriada por equipe técnica do Incra que apontou a viabilidade para criação de um assentamento. A regularidade dominial também foi confirmada pela superintendência regional”, afirmou.

A mineradora Belo Sun declarou que o acordo com o Incra “supera” a discussão sobre os direitos de exploração e posse das terras da região. O assentamento Ressaca, na Volta Grande do Xingu, foi criado em 1999, quando só havia pedidos de pesquisa mineral de empresas brasileiras sobre a região. A companhia canadense Belo Sun só chegou oficialmente no Brasil em julho de 2007, para fazer estudos, e pediu suas concessões de lavra em 2010.

A empresa não explica o fato de ter feito aquisição ilegal de terras em área de assentamento agrário.