Rio Xingu, Altamira (Foto: Verena Glass)
Nos dias 5 a 8 de dezembro, o Movimento Xingu Vivo, através de sua militante Ana Laíde Barbosa Soares, participou do congresso internacional “IV Narrativas interculturais, decoloniais e antirracistas em educação: por equidade, justiça e bem-viver“, na Universidade de Brasilia (UnB). O evento, que acontece a cada dois anos e reuniu acadêmic@s, pesquisador@s e lideranças sociais do Brasil, América Latina, Europa e África , teve como objetivo promover o intercâmbio de saberes e práticas educativas, acadêmicas e artísticas baseadas na valorização da diversidade cultural, étnica e epistêmica dos mundos indígenas e afrodiaspóricos.
“Foi um evento muito potente, onde compartilhamos as lutas do povo do Xingu com pesquisadores e movimentos sociais do Amapá, Maranhão, México, Espanha, África e outros”, explica Ana Laide, que destacou o intercambio com Omar Sarr Badji, guardião das tradições do povo Diola, no Senegal. Indicado pelo rei sagrado do Reino d’Oussoye como seu representante para vir ao Brasil, Omar compartilhou experiências dos processos educativos, fundamentos espirituais e valores morais e sociais que guiam os Diolas na resistência contra o colonialismo.
Ana Laide com Omar, em intercâmbio entre o Xingu o o povo Diola, do Senegal
“Uma das atividades do evento pedia que a gente escrevesse algo que fosse muito importante pra nós, que viesse das nossas experiências mais sagradas, e foi assim que surgiu na minha escrita uma Carta do rio Xingu à Humanidade”, conta Ana Laide. Ao ser lida para os participantes do evento, muitos que habitam outros rios em outros estados ou outros países prometeram respostas à missiva, que segue:
Altamira, hoje, dos dias atemporais.
Sou o Rio Xingu, venho aqui, neste IV Narrativas, pedir a vocês que escutem a minha voz. minhas dores, alegrias e as vidas que nascem do meu ventre/leito. Pois somos seres de direitos. Em meu território diversas vidas, não humanas e humanas, moram em minha casa, em minha tenda, em minhas ilhas, em minhas cachoeiras, praias e afluentes desde minha nascente até o desembocar no grande rio Amazonas.
Minhas águas estão envenenadas, nosso oxigênio é a fumaça das queimadas criminosas em nossas matas frondosas que cobrem nossas casas/tendas. Há muito não consigo respirar; minha mana, Chuva, não me visita mais, está impedida pela crise climática que invadiu meus santuários e territórios.
Esperança é o retorno de manhãs abençoadas se desdobrando, com gotas de chuva marcando o ritmo do inverno amazônico. Glória! Que assim permaneça. Flores vibrantes, pássaros em júbilo, árvores balançando ao som de sinfonias gotejantes. Oh, as memórias nostálgicas de paisagens distantes que inundam meu ser criança, brincando em minhas águas límpidas! É assim que eu sinto essa chuva- esperançar: livre de ameaças, livre de violência, trazendo uma alegria harmoniosa para um corpo desgastado e cansado, cicatrizado pelas cinzas de Belo Monte.
Rio Xingu.
Chuva na Amazônia (foto: Verena Glass)