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Projeto de mineração Belo Sun é denunciado no Canadá e na Suíça


Especialistas em direitos humanos de vários países recebem denuncias de violações por mineradoras canadenses

Na última semana, o projeto de mineração Belo Sun, que quer instalar a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil na Volta Grande do Xingu, no município de Senador José Porfírio, Pará, foi alvo de denúncias por violações de direitos humanos e da natureza em Toronto, no Canadá, e em Genebra, na Suíça.

Em Toronto, as denúncias foram apresentadas durante o Tribunal Internacional dos Direitos da Natureza (TIDN) no dia 28 de fevereiro, evento que antecedeu o encontro internacional da Associação de Prospectores e Desenvolvedores do Canadá (PDAC), maior reunião do setor de mineração do mundo. Já em Genebra, as violações do projeto Belo Sun foram discutidas no marco da 58ª Sessão Ordinário do Conselho de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU).

No TIDN, o caso de Belo Sun fez parte de uma série de denúncias de ações violentas de mineradoras canadenses na América Latina, ao lado de casos na Argentina, Chile e Equador. Apresentadas pelo Movimento Xingu Vivo para Sempre, as denúncias focaram tanto em ações da mineradora quanto do Estado brasileiro. Nesse sentido, foram destacadas a compra ilegal, por parte de Belo Sun, de lotes de reforma agrária no Projeto de Assentamento Ressaca, a expulsão sumária de dezenas de famílias da Vila do Galo, a ameaça de expulsão sumária de mais de 200 famílias da Vila Ressaca, a ação violenta da empresa de segurança Invictus, contratada por Belo Sun, contra agricultores acampados no PA Ressaca (derrubada de barracos, disparos contra agricultores, acosso, ameaças e monitoramento ostensivo, entre outros), bem como a tentativa de criminalizar tanto os agricultores como defensores de direitos humanos através de uma queixa-crime na Justiça.

Mapa do projeto Belo Sun sobreposto a territórios tradicionais da Volta Grande do Xingu e ao PA Ressaca

Já em relação ao Estado brasileiro, o Movimento Xingu Vivo denunciou a cumplicidade do Incra com a mineradora ao ceder (e defender a cessão na Justiça) terras da reforma agrária ao projeto minerário; a inação frente às denúncias de violência cometidas pelos seguranças armados da Invictus; a não realização da Consulta Prévia, Livre e Informada às populações indígenas e tradicionais ameaçadas pelo projeto, prevista na Convenção 169 da OIT; além do recurso do Ibama na Justiça contra a obrigação de realizar o licenciamento ambiental do projeto.

Um padrão global de destruição e violência

Seguranças armados da Invictus a serviço de Belo Sun em acampamento de agricultores no PA Ressaca

De acordo com TIDN, composto por especialistas dos EUA, Canadá, Argentina, Chile, Equador, Inglaterra e Itália, entre outros, as evidências apresentadas ao Tribunal deixaram claro que as atividades de mineração representam sérios riscos para as pessoas e o planeta. Segundo Ana Zbona, coordenadora da organização Business & Human Rights Resource Center, levantamento da entidade realizado em 2024 registrou mais de 600 alegações de abusos de direitos humanos relacionados a operações de mineração em larga escala.

Diante disso, o TIDN  se comprometeu a: instruir o Relator Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e outros relatores relevantes para preparar um relatório sobre “minerais críticos”, transição justa [de energia] e direitos dos povos indígenas, a ser apresentado à Assembleia Geral da ONU; solicitar uma sessão temática da Corte Interamericana de Direitos Humanos ou encaminhar o caso ao grupo de trabalho relevante para exame e consideração adicionais no Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas (UNPFII); apoiar o processo para a adoção de um Tratado Vinculante da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e solicitar sua pronta ratificação; promover o reconhecimento e a garantia dos Direitos da Natureza na legislação nacional nos países onde as violações foram identificadas; exortar o reconhecimento dos Direitos da Natureza no Canadá, em seu papel doméstico e em operações globais de mineração onde causam danos devastadores à natureza; denunciar os abusos cometidos por Belo Sun ao Ombudsman do governo canadense e solicita uma resposta sobre as violações dos ecossistemas e das comunidades indígenas e tradicionais no território do Xingu, relacionadas à mineradora Belo Sun; e apresentar reclamações a investidores e organizações como a OEA, a CIDH e outros fóruns internacionais, antes da COP30, com relação a essas violações.

Denúncias reiteradas na ONU

Advogado Diogo Cabral apresenta quadro atualizado das violações relacionadas a Belo Sun à relatora da ONU Mary Lowlor

Já no início de março, as violações de direitos humanos cometidas pela mineradora Belo Sun foram apresentadas em dois eventos realizados no marco da  58ª Sessão Ordinário do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, pelo advogado do Movimento Xingu Vivo, Diogo Cabral.

O caso de Belo Sun já foi foco de um questionamento oficial de relatores da ONU ao governo brasileiro. Em março de 2024, os relatores Mary Lawlor, Relatora especial sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, Robert McCorquodale, Presidente-Relator do Grupo de Trabalho sobre a questão dos direitos humanos e transnacionais e outros empreendimentos comerciais, David R. Boyd, Relator especial sobre a questão das obrigações de direitos humanos relacionadas ao usufruto de um ambiente seguro, limpo, saudável e seguro, e José Francisco Cali Tzay, Relator especial sobre os direitos dos povos indígenas, pediram ao governo brasileiro uma série de explicações acerca de medidas contra violações cometidas por Belo Sun, denunciadas pela Aliança pela Volta Grande do Xingu (articulação de organizações nacionais e internacionais que acompanham o caso). De acordo com a Aliança, da qual o Movimento Xingu Vivo faz parte, porém, nenhuma medida concreta foi tomada pelo Estado Brasileiro.

De acordo com Diogo Cabral, em evento sobre a situação de defensores de direitos humanos no Brasil convocado pela relatora especial Mary Lawlor, além de reiterar as denúncias contra Belo Sun e a inoperância do governo brasileiro, também foi destacada a leniência do Estado canadense com as graves violações cometidas pelas mineradoras do país. Segundo o advogado, após a sua fala, a relatora fez severas críticas ao Canadá e às situações de violência desencadeadas pelas empresas canadenses, solicitando um novo relatório, atualizado, sobre a situação na Volta Grande do Xingu.

“Apresentamos um quadro atualizado da situação de conflitos no marco do projeto minerário Belo Sun, que deverá ser enviado via novo relatório aos relatores especiais da ONU. Mas também mencionamos que o que tem garantido a invasão de áreas de reforma agrária e quilombolas pelas mineradoras são instruções normativas do Estado Brasileiro (INs 112 e 111), que deveriam ser revogadas urgentemente. Ao que ela reiterou a necessidade de que os standards de direitos humanos dessas populações sejam respeitados”, explica o advogado.

Indígenas e agricultores em protesto contra a cessão de áreas de reforma agrária para a mineradora Belo Sun

Em relação às críticas da relatora Mary Lawlor ao Estado canadense, Cabral comentou que, ao final da sessão,  a segunda secretária para direitos humanos da missão permanente do Canadá na ONU, Amélie Goudreau, o procurou para pedir um diálogo com o Movimento para entender melhor o papel do país no conflito minerário. “Explicamos um pouco mais a situação na Volta Grande do Xingu e nos colocamos à disposição para aprofundar as conversas. Penso que fizemos uma intervenção bastante positiva aqui em Genebra na defesa das comunidades e dos agricultores ameaçados por Belo Sun”, avaliou o advogado.