Nesta terça, 1, dia em que Joaquim Barbosa se despediu da presidência do Supremos Tribunal Federal, movimentos e organizações sociais protocolaram no STF novo documento sobre as violações constitucionais dos projetos hidrelétricos na Amazônia.
Esta é a quarta carta encaminhada ao Supremo solicitando a votação em plenária da Reclamação 14.404 do Ministério Público Federal, referente às oitivas indígenas para o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, até hoje não realizadas pelo Congresso Nacional conforme prevê a Constituição Federal. As outras três nem sequer tiveram resposta do STF.
Além da procrastinação da Justiça para garantir os direitos das populações afetadas por Belo Monte, o documento denuncia o grave risco de a Suprema Corte criar uma “jurisprudência às avessas”, tanto no que tange o direito de consulta prévia às populações afetadas pela construção de usinas hidrelétricas, como de ser complacente com decisões arbitrárias do governo federal.
De acordo com os movimentos, casos como a diminuição, por decreto, de Unidades de Conservação (principalmente para permitir a construção de usinas no rio Tapajós, objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI), a não votação dessa ADI, a displicência quanto ao componente indígena nos Estudos de Impacto Ambiental, e a utilização da Suspenção de Segurança para derrubar qualquer decisão favorável às populações afetadas pelos projetos hidrelétricos, representa um enorme risco para a democracia e o Estado de Direito, se ignorados pelo Judiciário.
“Registramos a nossa profunda perplexidade e indignação ao constatar que, nos casos relatados acima, foi abandonado um compromisso solene que marca a missão do STF”, afirma o documento, em relação ao dever do Supremo de desempenhar o papel de garantidor “da intangibilidade da ordem constitucional, de velar pela integridade dos direitos fundamentais, de repelir condutas governamentais abusivas, de conferir prevalência à essencial dignidade da pessoa humana, de fazer cumprir os pactos internacionais que protegem os grupos vulneráveis expostos a injustas perseguições e a práticas discriminatórias, de neutralizar qualquer ensaio de opressão estatal e de nulificar os excessos do Poder e os comportamentos desviantes de seus agentes e autoridades, que tanto deformam o significado democrático da própria Lei Fundamental da República”, como consta em sua Missão.
Por fim, os movimentos solicitam ao novo presidente do STF, Ricardo Lewandiowski, uma audiência para tratar da Reclamação 14.404 referente às oitivas indígenas, da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4717 referente à redução de Unidades de Conservação na Amazônia para abrigar canteiros e reservatórios de grandes hidrelétricas nas bacias hidrográficas do Madeira e Tapajós, e da Suspensão da Liminar no. 722, que invalidou uma decisão do TRF-1 de paralisar as obras da usina hidrelétrica (UHE) Teles Pires.
Leia na íntegra a carta encaminhada ao ministro Lewandowski
Entidades também protocolam Amici Curiae na Reclamação 14.404
Além do documento protocolado na terça, na madrugada desta quarta, 2, algumas das organizações signatárias, em parceria com entidades internacionais de direitos humanos, enviaram ao STF uma intervenção de amici curiae – intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade – relativa a reclamação do MPF sobre a não realização das oitivas indígenas.
O documento, elaborado pelas organizações Instituto Socioambiental (ISA), Associação Indígena Yudjá Mïratu da Volta Grande do Xingu (AYMÏX), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente (AIDA) e Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad (DEJUSTICIA), apresenta argumentos de direito nacional e internacional sobre a proteção do meio ambiente e dos direitos humanos que respaldam a ação legal do MPF.
“O projeto Belo Monte foi aprovado sem que o Estado consultasse nem obtivesse o consentimento das comunidades indígenas e populações tradicionais afetadas. Isto, junto com a degradação ambiental que començou com o inicio das obras da hidrelétrica, colocou as pessoas e comunidades em situação de extrema vulnerabilidade”, afirma María José Veramendi, advogada da AIDA.