No dia 22 de julho de 2009, o presidente Lula recebeu no Palácio do Planalto uma delegação de lideranças indígenas e sociais, representantes da comunidade científica e o bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Kräutler para uma audiência sobre a controversa megahidrelétrica de Belo Monte. Na ocasião, os representantes da sociedade civil expuseram ao presidente uma série de questionamentos sobre os enormes riscos e impactos socioambientais de Belo Monte, bem como sobre a duvidosa viabilidade econômica do empreendimento.
Ao final da reunião, Lula deu a sua palavra de que o governo federal “não enfiaria Belo Monte goela abaixo” de povos indígenas, movimentos sociais e outros grupos da sociedade brasileira. Assim, ele afirmou que o governo estava aberto ao diálogo e, como um primeiro passo, seriam providenciadas respostas imediatas aos questionamentos sobre:
• impactos sociais e ambientais do Complexo Belo Monte sobre os povos indígenas, ribeirinhos e outras populações locais da bacia do Xingu, especialmente no trecho de 100 km da Volta Grande do Xingu, que pode vir a ficar praticamente sem água com o desvio do rio;
• a ineficiência energética do projeto, que produziria uma media anual de apenas 40% da capacidade instalada e, em boa parte do ano operaria com menos de 20%, ou até mesmo menos de 10%, em função da forte sazonalidade do rio Xingu;
• o valor dos investimentos necessários para o empreendimento e a sua viabilidade econômica, considerando os custos de construção, a reduzida capacidade de geração de energia e os reais custos de prevenção e mitigação de impactos socioambientais;
• a tarifa a ser cobrada da população brasileira pela energia produzida por Belo Monte, assim como a utilização da mesma para subsidiar industrias eletro-intensivos, sobretudo para a fabricação de alumínio; e
• garantias efetivas de que não serão construídas outras usinas no Rio Xingu, Altamira, Pombal e São Felix do Xingu, que teriam impactos sociais e ambientais cumulativos muito maiores, sobretudo para os povos indígenas.
Desde a reunião de julho de 2009, o comportamento do governo federal tem sido o oposto daquele que foi prometido pelo presidente Lula. Enquanto todos os questionamentos acima ficaram sem resposta, o governo simplesmente tem se recusado a dialogar com a sociedade civil e outros atores, inclusive negando-se a participar de audiências públicas sobre Belo Monte organizadas em Brasília pelo Ministério Público Federal e pelas Comissões de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e do Senado.
Mais grave ainda, têm ocorrido verdadeiras investidas contra instituições democráticas do país, construídas a duras penas ao longo de décadas, inclusive durante a ditadura militar. Alguns exemplos desse comportamento incluem:
• audiências públicas realizadas de forma absolutamente irregular, em número insuficiente em locais nos quais a maioria da população mais ameaçada pelo empreendimento não teve oportunidade de participar. Nessas audiências, foi discutido superficialmente um Estudo de Impacto Ambiental incompleto, distorcido da realidade e sem adequada divulgação prévia, e sob um forte aparato policial repressivo;
• descumprimento do artigo 231 da Constituição Federal e da Resolução 169 da OIT, que asseguram aos povos indígenas o direito à consulta e ao consentimento livre, prévio e informado sobre grandes empreendimentos que afetam seus territórios e suas vidas;
• concessão “política” da Licença Prévia para Belo Monte sob forte pressão da Casa Civil, contrariando pareceres das equipes técnicas do IBAMA e da FUNAI;
• uso de falsos argumentos por desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF1), invocando o fantasma de um apagão no setor elétrico, para justificar a derrubada de liminares concedidas por juízes contra a Licença Prévia e o leilão de Belo Monte, em favor de ações movidas pelo Ministério Publico Federal e por entidades da sociedade civil;
• ameaças pela Advocacia Geral da União (AGU) contra juízes federais, procuradores da república e entidades da sociedade civil que têm movido ações judiciais contra irregularidades no licenciamento ambiental de Belo Monte;
• alterações de última hora em leis e regulamentos financeiros para conceder um pacote inédito de crédito subsidiado, além de incentivos fiscais, com dinheiro do contribuinte brasileiro, para um empreendimento sem comprovação para a sociedade de sua viabilidade técnica e econômica;
• anúncios de investimentos de fundos de pensão de empresas estatais (Petros, Previ, Funcef) em Belo Monte, ignorando riscos financeiros para investidores e o desrespeito a diretrizes de responsabilidade socioambiental dos mesmos.
No final de agosto, Lula assinou o Decreto de Outorga que permite a Contrato de Concessão para a UHE Belo Monte ao Consórcio Norte Energia. Na oportunidade, afirmou que seu governo se diferencia de seus antecessores no tratamento de Belo Monte “por não ter medo de debater” com a sociedade civil (sic!). Tal comentário foi antecedido por declarações igualmente equivocadas numa recente visita a Altamira para “inaugurar” as obras de Belo Monte, onde o presidente hostilizou e procurou ridicularizar e desqualificar os questionamentos sobre o empreendimento.
Ultimamente, o consórcio Norte Energia tem pressionado o IBAMA a aprovar uma Licença de Instalação “parcial” – algo que inexiste na legislação ambiental brasileira – para as chamadas “instalações iniciais” de Belo Monte (canteiro, acampamento, linha de transmissão, travessões de acesso) apesar do fato de que praticamente nenhuma condicionante da Licença Prévia tenha sido cumprida, numa clara tentativa de tornar o empreendimento um “fato consumado”.
O Presidente do BNDES, Luciano Coutinho, anunciou recentemente que o banco vai conceder um empréstimo recorde de cerca de R$ 20 bilhões para financiar 80% das obras de Belo Monte, com juros abaixo daqueles pagos pelo Tesouro Nacional, deixando a conta do subsídio a ser paga pelo contribuinte. Enquanto isso, falta ao BNDES um mínimo de transparência sobre os critérios utilizados para a análise da viabilidade econômica e riscos financeiros de Belo Monte, inclusive relacionados aos impactos socioambientais do empreendimento.
Pautado em visões ultrapassadas sobre desenvolvimento econômico incompatíveis com os desafios do século XXI e motivado por laços promíscuos com empreiteiras e interesses eleitorais que se sobrepõem ao interesse público, o governo de Lula descarta oportunidades para promover a eficiência energética e fontes alternativas de energia, enquanto ressuscita um autoritarismo aterrador que imaginávamos ter superado com o fim da ditadura militar.
Se prevalecer a vontade do atual governo, será assinada uma sentença de morte do Rio Xingu e de seus habitantes, em flagrante descumprimento da Constituição Brasileira e de acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, tais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção sobre Diversidade Biológica. É esse o Brasil que queremos? Em que situação ficará a democracia de um pais cujo presidente não honra a própria palavra, enquanto passa do discurso da “ética na política” para a “política da contravenção”?
30 de setembro de 2010
Assinam esta carta os seguintes participantes da reunião com o Presidente Lula em 22/07/09:
– Antonia Melo da Silva – Coordenação do Movimento Xingu Vivo Para Sempre
– Célio Bermann, Professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo
– Dom Erwin Krautler – Bispo da Prelazia do Xingu e Presidente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI
– Felício Pontes Junior, Procurador da República, Ministério Público Federal – Pará
– Idalino Nunes Assis – Representante das comunidades ribeirinhas do Xingu,
– José Carlos Ferreira da Costa – Associação da Resistência Indigena Arara do Maia- Volta Grande do Xingu,
– Lucimar Barros Silva – representante dos moradores da Agricultura familiar da Volta -Grande do Xingu,
– Ozimar Pereira Juruna – representante da Aldeia Juruna Paquisamba – Volta Grande do Xingu
Endossam esta carta as seguintes organizações da sociedade civil:
ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
Articulação das Mulheres do Amazonas
Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Associação Ação e Atitude
Associação Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins -APA-TO
Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal – ABEEF
Associação da Agricultoras do PDS Assurini
Associação da Resistência Indígena Arara do Maia – ARIAM
Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
Associação de Desenvolvimento da Agroecologia e Economia Solidária – ADA AÇAÍ
Associação de Mulheres Campo e Cidade Emanuele de Porto de Moz
Associação de Mulheres Domésticas de Santarém
Associação de Mulheres Trabalhadoras de Alenquer Campo e Cidade
Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte – APROMAC
Associação de Saúde Ambiental- TOXISPHERA
Associação do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu – Regional Pará
Associação do Povo Indígena Juruna do Xingu
Associação dos Agricultores da Volta Grande do Xingu
Associação dos Agricultores Ribeirinhos do PDS Itatá
Associação dos Índios Moradores de Altamira
Associação Floresta Protegida
Associação Global de Desenvolvimento Sustentado
Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí – Metareilá
Associação Nacional de Ação Indigenista da Bahia
Associação para o Desenvolvimento Integrado e Sustentável – ADEIS
Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes – APACC
Associação Pro-Moradia do Parque Ipê Associação Rádio Comunitária de Altamira -Nativa
CAMPA
Centro de Defesa dos Direitos Indígenas de Altamira – CDDI
Centro de Educação e Assessoria Popular – CEAP
Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar
Centro de Referência do Movimento da Cidadania pelas Águas Florestas e Montanhas
CEPEDES – Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul
Comitê de Desenvolvimento Sustentável Porto de Moz
Comitê Dorothy
Comitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses
Comitê Independente por Justiça Ambiental – C.I.J.A
Comitê Metropolitano Xingu Vivo para Sempre, Belém/PA
Conselho Indígena de Altamira – COIA
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Conselho Municipal da Cidade de Porto Velho
Conservação Internacional – Brasil
Cooperativa dos Produtores Rurais do PDS Esperança-Anapu
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Coordenación de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazônica – COICA
FAMCOS
Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém –
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE AMAZÔNIA
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil – FEAB
FEM- Fundação Irmã Elza Marques
Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES Fórum Carajás
Fórum da Amazônia Ocidental – FAOC
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Fórum das Mulheres da Amazônia Paraense – FMAP
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense – FMAP
Fórum dos Direitos Humanos Dorothy Stang Regional Transamazônica e Xingu
Forum Mudanças Climaticas e Justiça Social
Forum Popular de Altamira
Frente Cearense Por uma Nova Cultura de Àgua
Fundação Tocaia
Greenpeace
Grupo Ambientalista da Bahia – Gamba
Grupo de Articulação dos Direitos Indígenas de Altamira
Grupo de Defesa da Amazônia – GDA
Grupo de Mulheres Brasileiras – GMB
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
Iguassu Iterei
Instituto Amazônia Solidaria e Sustentável – IAMAS
Instituto Ambiental Vidágua
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE
Instituto Brasileiro de Inovações Sociedade Saudável – IBISS-CO
Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc
Instituto de Pesquisas em Ecologia Humana
Instituto Humanitas
Instituto Madeira Vivo – IMV
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul – PACS
Instituto Socioambiental – ISA
Instituto Terramar
Instituto Universidade Popular UNIPOP
International Rivers
Iterei – Refugio Particular de Animais Nativos
Justiça Global
Mana-Maní Círculo Aberto de Comunicação, Educação e Cultura
Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – MAMA
Movimento de Mulheres Campo e Cidade de Uruará ‘
Movimento de Mulheres do Campo e Cidade do Pará
Movimento de Mulheres Regional Transamazônica e Xingu
Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
Movimento Tapajós Vivo
Movimento Xingu Vivo para Sempre – MXVPS
Núcleo Amigos da Terra Brasil
Operação Amazônia Nativa – OPAN
Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi – OPIAJ
Organização Não Governamental Arirambas – ARIRAMBAS
Organização pelo Desenvolvimento da Amazônia com Direitos Humanos – ONDAS-DH
Organização Universalista em Direitos Humanos – U.S.O.S.
Prelazia do Xingu
Rede Alerta contra o Deserto Verde
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Rede Brasileira de Arteducadores
Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Rede Jubileu Sul Brasil
Sindicato das Trabalhadoras Domésticas Região Transamazônica e Xingu
Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Altamira
Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Porto de Moz
Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Vitória do Xingu
Sindicato dos Oleiros de Altamira
Sindicato dos Trabalhadores em Educação Publica do Pará – Sub-Sede Altamira/PA
Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará – Regional Transamazônica /Xingu
Sociedade Caritativa Litéraria São Francisco de Assis – SOCALIFRA
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Survival International
Terra de Direitos
Terræ Organização da Sociedade Civil
União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira – UMIAB
União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém (UES)