Reunido em Campo Grande (MS), no dia 22/11, o CDDPH aprovou o relatório da Comissão Especial que analisou, durante 4 anos, denúncias de violações de direitos humanos no processo de implantação de barragens no Brasil. O presidente do Conselho e Secretário Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, parabenizou a Comissão e considerou seu trabalho “árduo e histórico”.
O Relatório Final possui uma parte dedicada às recomendações e considerações gerais para garantia e preservação dos direitos humanos dos atingidos por barragens e outra referente ao companhamento das denúncias dos casos acolhidos pela Comissão Especial. A saber: UHE Canabrava, UHE Tucuruí, UHE Aimorés, UHE Foz do Chapecó, PCH Fumaça, PCH Emboque e Barragem de Acauã.
Segundo o relatório, “os estudos de caso permitiram concluir que o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos, cujas conseqüências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”.
A comissão identificou, nos casos analisados, um conjunto de 16 direitos humanos sistematicamente violados, dentre os quais, merecem destaque o direito à informação e à participação; direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; direito à moradia adequada; direito à melhoria contínua das condições de vida e direito à plena reparação das perdas.
Entre os principais fatores, apontados pelo relatório, que causam as violações de direitos humanos na implantação de barragens estão a precariedade e insuficiência dos estudos ambientais realizados pelos governos federal e estaduais, e a definição restritiva e limitada do conceito de atingido adotados pelas empresas.
Segundo a coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o relatório só confirma as denúncias que o movimento vem fazendo há anos. “Agora, iremos realizar encontros para debater o conteúdo do relatório com os atingidos por barragens de todo o Brasil e discutir o que faremos para pressionar para que se apliquem ações de reparação. Além disso, iremos sugerir que o próximo trabalho da Comissão seja um estudo sobre as violações dos direitos das mulheres nas áreas de construção de barragens”, afirmou a coordenação.
Recomendações
A comissão recomendou a adoção de mais de 100 medidas para garantir e preservar os direitos humanos dos atingidos por barragens e evitar novas violações. De acordo com o representante do Ministério Público Federal (MPF) na Comissão, João Aquira Omoto, a aprovação do relatório é de extrema importância, pois é o reconhecimento do Estado de uma situação que estava se perpetuando sem que houvesse, de fato, medidas e propostas pra resolve-la. “De posse do relatório aprovado, nos reuniremos internamente no MPF para saber de que maneira vamos nos organizar para cobrar dos órgãos do Estado o atendimento a essas recomendações”, afirmou o procurador.
Resumo das principais recomendações:
Concessão Pública, Licenciamento ambiental, Cadastro de atingidos, desapropriações e BNDES:
O relatório recomenda profundas mudanças nos procedimentos de concessão pública e licenciamento ambiental (ambos a cargo dos governos federal e estadual), como a de que os estudos, os cadastros sociais de atingidos e desapropriações sejam de responsabilidade do poder concedente (governo federal e estadual) e pagos pelas empresas. Em relação ao BNDES e agências públicas nacionais de financiamento, o relatório recomenda que criem requisitos e salvaguardas sociais e ambientais específicas para contratos de empréstimos para a implantação de barragens, bem como mecanismos para que a sociedade civil possa acompanhar e controlar seu cumprimento, a exemplo do que já fazem agências multilaterais.
Comissão Nacional de Reparação dos Atingidos por Barragens:
O relatório propõe que a Secretaria Especial dos Direitos Humanos constitua uma Comissão de Reparação, com a participação de outros órgãos governamentais, Ministério Público, Defensoria Pública e representação da sociedade civil para acolher, avaliar e julgar solicitações de reparação, individuais e coletivas, que lhes sejam encaminhadas no prazo de 12 meses a partir de sua instalação.
Planos de recuperação e desenvolvimento econômico e social das regiões impactadas:
Além das reparações individuais ou coletivas devidas, a comissão propôs que todos os projetos devem contemplar planos de recuperação e desenvolvimento econômico e social (custeados pelas empresas proprietárias das barragens), com o objetivo essencial de recompor as cadeias produtivas locais e regionais que assegurem ocupação produtiva ao conjunto dos atingidos.
Melhoria das condições de vida:
A constatação da comissão nos casos analisados é a de que após a construção das barragens as pessoas vivem em condições de vida piores do que viviam antes. Por isso, recomenda a ANEEL, ao Ministério de Minas e Energia, a Empresa de Pesquisa Energética, ao Ministério da Integração Nacional, a ANA, ao Ministério do Meio Ambiente, ao IBAMA e aos órgãos ambientais estaduais que condicionem autorizações, concessões e licenças à garantia de que grupos sociais, famílias e indivíduos terão acesso a meios que assegurem a melhoria contínua de suas condições de vida.
Direitos dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais:
O relatório recomenda a regulamentação do artigo 231, par. 6º, da Constituição Federal e o estabelecimento das regras e procedimentos para a indispensável participação e manifestação direta de populações tradicionais, quilombolas e indígenas em processos decisórios e de obtenção do prévio, livre e informado consentimento, sempre que estiver em jogo a implantação de barragens em seus territórios, nos termos da Convenção OIT 169.