Passado mais de um ano da instalação da primeira vara ambiental da Justiça Federal no Pará, o que havia provocado o encaminhamento de Altamira para Belém de todos os processos relacionados à hidrelétrica de Belo Monte, a Justiça decidiu que o julgamento dos casos não cabe à vara especializada da capital paraense. Para o Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA), a medida irá atrasar ainda mais o julgamento dos casos e, assim, impossibilitar que danos sociais e ambientais sejam impedidos a tempo.
A Vara Ambiental Federal em Belém entrou em funcionamento em junho de 2010. As decisões sobre a incompetência da vara para atuação nos processos relativos à hidrelétrica vêm sendo publicadas esta semana e são de autoria do juiz substituto Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho. A última decisão à qual o MPF/PA teve acesso foi tomada nesta quarta-feira, 13 de julho, e refere-se à mais recente ação civil pública contra irregularidades no projeto. No total, o MPF/PA já encaminhou à Justiça 12 ações, das quais apenas uma foi julgada em definitivo.
Segundo Gama Filho, a jurisprudência é unânime ao entender que, em ações civis públicas, o juízo do local do dano tem competência absoluta para o julgamento do caso. Em sua decisão, o juiz cita acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) sobre a competência da vara federal especializada em questões ambientais no Maranhão, em discussão gerada a partir de um processo do MPF contra irregularidades no licenciamento ambiental da hidrelétrica de Estreito.
“Ainda que se considere que o alegado evento danoso possa repercutir em outras áreas do Estado, ou fora dele, reúne melhores condições para instrução e julgamento da causa o juízo do local do dano, ou o mais próximo, nos termos do artigo 2º, da Lei 7.347/1985″, diz a decisão do TRF1.
A nova postura da 9ª Vara Federal em Belém tem dois reflexos imediatos: nos processos que já foram propostos diretamente em Belém, os autos serão enviados para a Justiça Federal em Altamira, que poderá aceitar os processos e decidi-los ou, se discordar da decisão, remeter ao TRF1 para definir qual a vara competente. Nos processos que haviam iniciado em Altamira e que foram remetidos para a 9ª Vara Federal, a decisão do juiz federal Gama Filho foi de remeter os processos para uma definição pelo TRF1, em um incidente chamado de conflito negativo de competência.
Cabe ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nesses casos, definir se prevalece a especialização da 9ª Vara Federal na matéria ambiental ou se a Subseção Judiciária de Altamira será a competente.
“Ao MPF o mais importante é que não haja mais demora e que as ações sejam julgadas rapidamente e as soluções encontradas. O certo, todavia, é que esta decisão esvazia a ideia de uma vara especializada em matéria ambiental”, afirma o procurador da República Ubiratan Cazetta, um dos membros do MPF que atuam nos processos de Belo Monte.
Incertezas
As ações do MPF/PA que aguardam julgamento elencam uma série de incertezas sobre os impactos socioambientais de Belo Monte geradas por omissões ou falhas graves no processo de licenciamento ambiental. Na última ação ajuizada, que foi encaminhada à Justiça Federal em Belém em junho deste ano, o MPF/PA destaca que não foram cumpridas 40% das principais medidas de prevenção ou minimização dos impactos socioambientais da obra, as chamadas condicionantes.
Parecer do próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o órgão que liberou o início das obras, demonstra que as condicionantes de saúde, educação, saneamento, levantamento das famílias atingidas e navegabilidade não foram cumpridas pelo empreendedor, o consórcio Norte Energia.
Mais grave: o relatório aponta que o empreendedor elencou várias obras para saúde e educação inexistentes, de acordo com vistoria do Ibama. Mas o Ibama concedeu a licença mesmo assim, criando conceitos inexistentes na lei ambiental: condições “em cumprimento” ou “parcialmente atendidas”.
Nas demais ações, o MPF/PA aponta irregularidades como o fato de que os responsáveis pelo projeto já tentaram por duas vezes fazer a escolha de empresas sem licitação; tentaram fazer o licenciamento ambiental de um rio federal por meio de uma instância estadual, em vez de recorrerem ao Ibama; ignoraram a necessidade de ouvir os indígenas, conforme prevê a Constituição; fizeram estudos ambientais sem que houvessem sido estabelecidas as diretrizes para os estudos; deram a empreiteiras a tarefa de elaborar os estudos ambientais; determinaram que essas empresas teriam acesso privilegiado a informações; apresentaram estudos ambientais incompletos, fizeram audiências públicas em apenas três dos onze municípios afetados; mudaram o endereço da audiência pública em Belém às vésperas do evento, entre outros problemas.