Grafite como revolução

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“Tô louco pra pintar um barco”, diz Mundano, enquanto se prepara para grafitar um muro na Avenida Governador José Malcher, em Belém. O tema será a construção da Hidrelétrica de Belo Monte e virá em forma de protesto (Diário do Pará, 26.08.2011).

Muros, barcos, canoas, troncos de árvore, carroças, bicicletas, caixas d’água. Não importa o lugar. Para o grafiteiro de 25 anos, o que vale mesmo é passar a mensagem de sua revolução social.

“É muito mais interessante aproveitar a arte para fazer as pessoas pensarem. Quero fazer com que pensem sobre o assunto, mudem seus hábitos, sua forma de se apropriar do espaço público. Assim as pessoas podem se tornar agentes transformadores”, diz Mundano, que vê o grafite como uma arte pública. “Em Belém há muito espaço para fazer grafite, as pessoas são engajadas e a população tem uma boa relação com essa arte”, completa. A ideia de grafitar um barco é justamente poder levar sua mensagem a um maior número de pessoas.

O barco grafitado deve sair até domingo, quando Mundano volta para São Paulo. Até lá estará completo o painel de grafitagens da Avenida José Malcher com Assis de Vasconcelos. Maria das Dores Barroso, 65, passava pelo local ontem de manhã, e resolveu parar para ver o trabalho de Mundano e do coletivo Cospe Tinta Crew.

“Ah, vocês são os artistas? Parabéns, viu? Você não sabem como admiro o trabalho de vocês”, elogiou, deixando todos empolgados. “Isso é um reflexo da criatura. Olha que coisa linda. Só não gosto dos olhos enormes que vocês fazem. Acho horrível”. Ao que Mundano justificou: “É para observar melhor a cidade, os políticos corruptos”.

Horas antes, na noite de quarta-feira, 24, o mesmo grupo tentava grafitar as imediações da pista de skate da Praça do Marex, no bairro de Val-de-Cães. Só teve tempo de iniciar um desenho em amarelo sobre a tinta cinza. Cinza que cobriu todos os desenhos feitos anteriormente pelos amigos. A Guarda Municipal foi chamada para impedir a ação. Os animos afloraram. “Passaram tinta em cima do nosso desenho sem sequer nos consultar. Foi uma falta de respeito”, reclamava indignado o grafiteiro e arte-educador Ed Cardoso Moraes, 31, do Cospe Tinta. Uma representante da prefeitura apareceu no local e tudo aparentemente ficou resolvido.

Mundano já se acostumou com esses embates com o poder público. Esse, aliás, é um dos motivos pelo qual ele não revela seu verdadeiro nome. “Fica mais fácil me achar. E como vou continuar protestando?”.

Em 2007, as obras do grafiteiro pelos muros de São Paulo se transformaram em alvo da prefeitura por conta do projeto “Cidade Limpa”. “Era para retirar as propagandas das ruas, mas tiravam o grafite junto. Eu ia lá e fazia tudo de novo”.

Foi quando ele criou o projeto “Cidades Recicláveis” e passou a fazer sua arte nas carroças dos catadores de lixo. Gente que considera tão à margem quanto ele. “Somos seres invisíveis”, compara.

Nos veículos dos catadores, Mundano encontrou um novo significado para o próprio codinome. “Eu faço grafite para dar voz às pessoas. Então é o povo mundano que tem voz. O grafite não é apenas arte. Ele tem uma função social. Sempre tento fazer algo para causar uma revolução interna, instigar as pessoas a participar, porque ninguém faz nada sozinho”, ensina.

Livro

A experiência do “Cidades Recicláveis” será apresentada amanhã em Belém, durante o TEDXVer-o-Peso. A sigla TED (Tecnologia, Entretenimento e Design) reúne pensadores, empreendedores, artistas e ativistas para compartilhar ideias que fazem diferença em várias áreas. As palestras da conferência são posteriormente disponibilizadas no site TED.com.

O grafiteiro vai falar sobre o trabalho com os catadores, além de fazer uma intervenção na exposição da artista plástica Drika Chagas, no Sesc Boulevard.

Mundano vive da arte que produz. Ele vende, faz trabalho por encomenda. Só não abre mão da liberdade de criar. “Tem que ser um trabalho autoral, que me agrade, que eu queira fazer”.

A rua concentra grande parte da obra do artista, mas ele já teve espaço em exposições no Chile e na Argentina. E ainda vai participar este ano da Bienal de Arte de Rua na Bolívia.

O estilo exportação é bem-vindo, mas Mundano prioriza o país onde nasceu. “Meu foco é o Brasil. Quero publicar um livro com esse trabalho com os catadores. Já estou fazendo pesquisa, tenho muita foto, quero me dedicar cada vez mais a esse trabalho”, adianta. (Diário do Pará)

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