Belo Monte: Marina defende auditoria externa na usina

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Em meio às negociações para a votação do novo Código Florestal, que ocorrerá semana que vem no Senado, a ex-ministra e ex-senadora Marina Silva, sem partido, abriu espaço na agenda para uma conversa por telefone sobre um dos projetos mais polêmicos do país: a hidrelétrica de Belo Monte. Marina defendeu a realização de “uma auditoria externa, com a presença de cientistas e jornalistas do mundo todo para garantir e comprovar que os problemas sociais e ambientais foram resolvidos”. Ela defendeu o movimento Gota D’Água e os artistas que fizeram um vídeo contra Belo Monte. Marina crê que a obra deve ser paralisada “até que sejam respondidos todos os questionamentos sociais e ambientais”.

O GLOBO: A senhora viu o vídeo dos artistas que pedem a paralisação da obra de Belo Monte? A obra deve ser mesmo paralisada?

MARINA SILVA: A obra tem problemas reais. O empreendimento não tem viabilidade econômica. Vai custar R$ 30 bilhões de dinheiro público, quando a expectativa era de que fosse feito pela iniciativa privada. Dois diretores do Ibama saíram por causa de pressões para a liberação da licença de instalação. Ela não tem viabilidade social, pois cerca de cem mil pessoas vão ser deslocadas. Além de não ser viável ambientalmente, como mostram várias entidades, o Ministério Público e grande parcela dos cientistas.

O GLOBO: Ou seja, a senhora também defende a paralisação da obra?

MARINA: Ela deve ser interrompida até que sejam respondidos todos os questionamentos sociais e ambientais. Depois que estiver pronto não tem como retroceder. Se tudo for resolvido, não tenho nada contra a realização da obra.

O GLOBO: Voltando ao financiamento público. Não é assim em qualquer lugar do mundo? Toda a grande obra de infraestrutura não é financiada pelo governo?

MARINA: Estamos falando de um financiamento de 30 anos com juros de 4%.

O GLOBO: Se fosse um projeto de energia eólica teria as mesmas condições, não?

MARINA: A eficiência energética de Belo Monte é baixíssima, menos de 40%. Precisamos saber onde o governo bota o dinheiro. Com o custo da transmissão, o preço da energia gerada ficará próximo do preço da eólica, que pode ser construída perto dos grandes centros.

O GLOBO: Mas o fator de capacidade da energia eólica é mais baixo ainda, cerca de 30%.

MARINA: Não tenho nada contra as hidrelétricas, mas o Brasil está ficando refém delas. Precisamos investir muito mais em energias alternativas como eólica, solar e biomassa.

O GLOBO: No vídeo do movimento Gota D’Água eles dizem que a energia hidrelétrica não é limpa. A senhora concorda?

MARINA: Essa é uma discussão que acontece muito na Europa. A energia hidrelétrica é limpa, mas causa sérios problemas sociais e ambientais. Eu acho que está havendo uma campanha para demonizar os artistas que fizeram o vídeo. É justo que a sociedade coloque as suas observações. Se eles tivessem feito um vídeo em favor da usina de Belo Monte ninguém falaria nada.

O GLOBO: A senhora não acha que existe um problema de credibilidade? Todos os problemas levantados pelos ambientalistas o governo diz que estão sendo resolvidos ou que serão resolvidos.

MARINA: Certamente falta credibilidade. Essa polêmica se arrasta há mais de 20 anos. Questionamentos feitos quando a índia Tuíra atacou o presidente da Eletronorte José Antonio Muniz com um facão continuam válidos até hoje. O governo deveria contratar uma auditoria externa, com a presença de cientistas e jornalistas do mundo todo para garantir e comprovar que os problemas sociais e ambientais foram resolvidos. Não dá para atropelar o processo. Tratar como fato consumado. Melhor resolver tudo antes e depois retomar a obra.

O GLOBO: No vídeo, os artistas dizem que serão destruídos 640 quilômetros quadrados de floresta. O presidente da EPE afirma que parte da área ocupada é o próprio leito do rio e que o resto será compensado numa área de preservação permanente.

MARINA: Não tenho os números precisos comigo. Sei que bilhões de toneladas de terra serão removidas e sei também que nem tudo que o governo diz ele faz. Mais uma vez estamos falando de credibilidade. A licença de instalação estabelecia 42 condicionantes e só 23 foram contempladas até agora. Não sou contra o desenvolvimento, contra o progresso. Mas as questões sociais, ambientais e econômicas precisam ser integradas. Não dá mais para tratar o social e o ambiental como externalidades. Estão passando o rolo compressor nas questões ambientais. O Ibama perde poder, o Código Florestal é um retrocesso. Vai haver destruição de floresta, sim.

O GLOBO: Um dos poucos pontos em que ambientalistas e governo concordam é que nenhuma tribo será removida.

MARINA: O impacto não se dá só com a remoção. São 28 etnias vivendo lá que serão afetadas pela mudança na navegabilidade do rio e no volume de peixes. Os impactos indiretos são enormes.

O GLOBO: As licenças de instalação das usinas de Jirau e Santo Antonio, no Rio Madeira, foram liberadas quando a senhora ainda era ministra do Meio Ambiente. Qual a diferença entre aquelas licenças e a licença de Belo Monte?

MARINA: Tem uma grande diferença. Na época eu fiquei conhecida como a ministra dos bagres, pois não liberei a licença antes de ser resolvida a questão dos bagres que iam ser atingidos. O mesmo aconteceu com o problema do mercúrio e da malária na região. E mesmo assim, depois que eu saí, vários outros compromissos deixaram de ser cumpridos. Se eu ainda estivesse lá pararia essas obras também ou pediria demissão.

ESCLARECIMENTO:

Marina Silva esclarece que, diferentemente do publicado na edição do dia 3/12, sob o título “Belo Monte: Marina defende auditoria externa”, em nenhum momento defendeu a realização de uma “auditoria internacional” para as obras de Belo Monte. O que Marina defendeu foi uma “auditoria independente”, com ampla participação do setor acadêmico e da sociedade brasileira. Segundo Marina, diante do imenso custo e impacto socioambiental da obra e da polêmica em torno de sua construção, é importante um olhar externo ao da máquina pública, que dê mais visibilidade e transparência ao processo.

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