Brasil corre para se desenvolver construindo hidrelétricas, mas trabalhadores resistem

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A revolta aqui, às margens do Rio Madeira, o maior afluente do Amazonas, ocorreu após o anoitecer. No final de uma greve de 26 dias realizada pelos 17 mil operários no mês passado, uma facção dos trabalhadores que estava furiosa com os salários e condições de vida começou a incendiar o canteiro de obras da hidrelétrica de Jirau (The New York Times, 8.05.2012).

Por toda a noite, eles queimaram mais de 30 estruturas e pilharam as lojas da empresa, registrando a desordem com as câmeras de seus celulares, antes de os bombeiros apagarem as chamas. As autoridades em Brasília enviaram centenas de soldados de uma força de elite para conter os distúrbios.

Homens em uniformes de camuflagem ainda patrulham o vasto canteiro de obras, refletindo um dilema para os líderes do Brasil. Enquanto buscam explorar a última das grandes reservas do mundo de energia hidrelétrica, a bacia do Amazonas, greves e levantes dos operários nos maiores projetos estão causando atrasos e estouros de orçamento.

“Ninguém queima algo se estiver satisfeito”, disse Altair Donizete de Oliveira, um líder sindical aqui da fronteira oeste do Brasil. Ele listou salários, alojamentos apertados e pedidos para mais visitas a suas casas entre as queixas que estavam contribuindo para o aumento da tensão entre os trabalhadores, que chegam a dezenas de milhares nos vários canteiros de obras na Amazônia.

O Brasil está à frente na corrida entre os países sul-americanos para construção de um conjunto de dezenas de hidrelétricas na Amazônia. As autoridades esperam que pelo menos 20 projetos hidrelétricos importantes, incluindo Jirau e Santo Antônio, aqui no Estado de Rondônia, sejam construídos no Brasil ao longo da próxima década. Em outra parte da Amazônia, tiveram início as obras do maior projeto hidrelétrico do Brasil, Belo Monte, um esforço para desvio do Rio Xingu que custará mais de US$ 12 bilhões (R$ 23 bilhões).

O avanço dos projetos fez o Brasil se tornar alvo de críticas de grupos ambientais, que dizem que os benefícios das hidrelétricas são insuficientes para justificar o deslocamento dos povos indígenas e a inundação de trechos da floresta tropical –potencialmente liberando grandes quantidades de gás metano.

Mas as autoridades argumentam que o Brasil precisa das hidrelétricas para atender a demanda por eletricidade, que deverá crescer 56% até 2021. A presidente Dilma Rousseff defendeu vigorosamente os projetos em abril, acusando os oponentes de viverem em um mundo de “fantasia”, como se acreditassem que o Brasil possa melhorar os padrões de vida apenas com energia renovável.

“Eu tenho que explicar para as pessoas como vão comer, como terão acesso a água e como terão acesso a energia”, disse Rousseff.

A aposta imensa do Brasil em hidrelétricas é ilustrada pela urgência com que as autoridades estão tratando os problemas trabalhistas em Jirau, que enfrentou outra revolta em 2011, quando os operários incendiaram 35 alojamentos e 45 ônibus. O governador de Rondônia pediu recentemente às autoridades em Brasília o envio de tropas para ocupação dos canteiros de obras das hidrelétricas. Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da presidente Dilma Rousseff, disse que os distúrbios em abril foram “bandidagem” que exigia uma resposta vigorosa.

Juntos, os distúrbios adiaram a conclusão da hidrelétrica de Jirau em meses. As greves também suspenderam recentemente as obras na hidrelétrica de Santo Antônio, que também fica no Rio Madeira, e em Belo Monte, onde milhares de operários chegaram à remota cidade de Altamira.

As preocupações com um potencial efeito dominó de agitação trabalhista em outros grandes projetos de infraestrutura crescem à medida que os trabalhadores pressionam por aumentos salariais, em um momento em que a taxa de desemprego do Brasil, atualmente em 6,2%, está historicamente baixa.

As autoridades sindicais daqui dizem que a informação sobre estratégias para obtenção de melhores salários e benefícios é rapidamente compartilhada por mensagens de texto e e-mails entre os operários em diferentes canteiros de obras na Amazônia, permitindo aos sindicatos exercer rapidamente pressão sobre os empregadores.

Fora da Amazônia, greves recentes, algumas delas violentas, também perturbaram projetos em construção pela gigante do petróleo Petrobras, incluindo o complexo petroquímico Comperj no Rio de Janeiro, o porto de Barra do Riacho no Espírito Santo e a refinaria Abreu e Lima no Nordeste.

Apesar de o Brasil ter reduzido a desigualdade de renda dentro de suas fronteiras, os salários dos trabalhadores braçais aqui ainda ficam muito aquém dos pagos nos países industrializados mais ricos. O piso salarial na hidrelétrica de Jirau é em torno de US$ 525 por mês (pouco mais de R$ 1 mil), em um país onde o custo de vida equivale ou ultrapassa o dos Estados Unidos.

“Meu salário aqui é uma desgraça, metade do que ganhava em Angola”, disse João Batista Barbosa Arce, 29, um operário que chegou em Jirau após trabalhar para uma construtora brasileira em um projeto africano de hidrelétrica. Ele disse que perdeu todos os seus pertences no incêndio em abril.

Os executivos que supervisionam o projeto da hidrelétrica contestam as afirmações de que os salários aqui são baixos demais segundo os padrões brasileiros, ou que as condições de vida são péssimas, dizendo que os operários têm acesso a cibercafés, academias, salões de bilhar e até mesmo cinemas que exibem filmes “picantes”.

“Todo esforço é feito para humanizar as condições para os milhares de homens e mulheres que trabalham aqui”, disse José Lucio de Arruda, diretor do consórcio que operará Jirau, controlado pela gigante de energia francesa GDF Suez, em parceria com duas companhias elétricas estatais brasileiras e a construtora Camargo Corrêa.

Mesmo assim, prossegue a tensão em Jirau, que deveria começar a produzir eletricidade em 2013. A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) tem monitorado de perto a situação, com centenas de policiais militares da Força Nacional de Segurança Pública fazendo ronda pela área em picapes Mitsubishi.

“É estranho ver policiais fazendo patrulha, mas também é tranquilizador”, disse Gua Xiaoyi, um funcionário da Dongfang Electric, uma empresa chinesa que está fornecendo as turbinas para Jirau.

Do lado de fora dos portões de Jirau, o projeto e seu afluxo de trabalhadores mudaram a paisagem amazônica. A economia de Rondônia cresceu 7,3% em 2011, a maior taxa entre os 26 Estados do Brasil. Gerentes chineses e brasileiros vivem no conforto de Nova Mutum Paraná, uma nova cidade construída do nada há dois anos para assentamento das famílias deslocadas pelo projeto da hidrelétrica.

Seus cerca de 6 mil habitantes se beneficiam de ruas pavimentadas, dois supermercados, um heliporto e sete igrejas. Mas a 10 minutos de carro por uma estrada que atravessa uma floresta desmatada, entretanto, surge outro assentamento, Jaci-Paraná, uma espécie de cidade gêmea distópica de Nova Mutum Paraná.

A população de Jaci-Paraná inchou de 4 mil para mais de 15 mil habitantes desde o início da construção das hidrelétricas em 2008. Todo dia da semana, ônibus deixam os operários perto das estradas de terra daqui, margeadas por bordéis. O cheiro de esgoto a céu aberto permeia o ar.

Os moradores brincam que a cidade é um exemplo do faroeste do Brasil, apontando para as reportagens de matadores contratados para acertar rixas entre posseiros e uma vala comum nos arredores de Jaci-Paraná, onde os corpos de seis vítimas de homicídio, incluindo uma criança de 5 anos, foram encontrados em dezembro.

Ainda assim, há oportunidade em meio à confusão, e caçadores de fortuna diversos que vieram para cá são gratos pelos projetos das hidrelétricas. “As hidrelétricas foram nossa salvação”, disse Leude Amorim, 29 anos, proprietária do Big Stop, um bar em Jaci-Paraná.

Após a construção, apenas 400 funcionários em período integral serão necessários para operar Jirau, em comparação ao pico de mais de 20 mil operários em 2011. Milhares de operários já começaram a procurar emprego em outros lugares na Amazônia, forçando Jaci-Paraná e outras partes que vivem um boom em Rondônia a se prepararem para o futuro declínio.

“É claro, eu não me sinto totalmente segura aqui”, disse Leonice Layanoya, 50 anos, atendente de uma loja no canteiro de obras de Jirau que foi saqueada durante os distúrbios. Mesmo assim, ela disse que está planejando se mudar para Belo Monte, na esperança de encontrar trabalho no maior projeto na Amazônia.

“São lugares assustadores”, disse Layanoya, “mas que outra opção eu tenho a não ser seguir o dinheiro?”

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