Índios sofrem com doenças e desnutrição

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(Diário do Pará, 07.06.2012) Alto índice de mortalidade infantil, déficit na curva de crescimento, atrofias musculares. O mesmo panorama visto entre crianças pobres da periferia de Belém ganha contorno de maior de intensidade junto às populações indígenas, o que reflete, em grande parte, a perda de referências culturais e introdução de hábitos alimentares dos não-índios. O Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas (2008-2009) mostrou que na região Norte do Brasil, entre os menores de 5 anos de idade, o déficit de crescimento foi de 41,1% e a incidência de anemia, de 66%.

Dados como esses são acompanhados de perto pela Faculdade de Nutrição da Universidade Federal do Pará, que vem desenvolvendo projetos de monitoramento no âmbito alimentar e nutricional de populações indígenas e quilombolas.

Entre os menores de 10 anos da etnia Asuruní do Trocará (Tucuruí-PA), o baixo peso para idade foi 13,0%, a baixa estatura, 57,0%, e a anemia, 45,0%. Entre os indígenas Araweté, Parakanã, Asuriní, Arara, Kararaô e Kayapó (Altamira-PA), a anemia variou entre 6,25 e 50,0%, e o risco nutricional de baixo peso para idade oscilou entre 33,3% e 92,3%.

Em crianças, a desnutrição é sinônimo de crescimento deficiente. “As crianças desnutridas são mais baixas e pesam menos do que deveriam para a idade. Alguns fatores explicam isso, como o aleitamento materno inadequado, a baixa qualidade e quantidade da alimentação complementar e a absorção de nutrientes prejudicada por infecções e parasitoses intestinais”, diz a nutricionista Rosilene Reis, coordenadora da pesquisa. “Já nos foi possível avaliar o estado nutricional de 631 crianças”, diz Reis.

CONSUMO

Segundo ela, os índios vêm mudando os hábitos alimentares, deixando a dieta tradicional, rica em proteínas (carne de caça principalmente), tubérculos e fibras vegetais e passando a comprar alimentos industrializados. “Com isso acabam ingerindo uma maior quantidade de sal, de carboidratos de absorção rápida e de alimentos ricos em gordura e mais calóricos, além de terem diminuído as atividades tradicionais de plantio e colheita”, alerta a pesquisadora.

É o que vem ocorrendo de forma acelerada na área de influência da usina hidrelétrica de Belo Monte, segundo Rosilene Reis. No período de 2007 a 2011, foi feito um monitoramento em aldeias indígenas dos rios Bacajás, Xingu e Iriri. Kaiapós, Awaretés, Parakanãs, Araras e Assurinis vivenciam os mesmos problemas. “Há um percentual muito alto de desnutrição proteica”, diz a nutricionista.

Aldeias que tinham pouco contato com os brancos e que eram protegidos por um posto da Funai agora convivem com a forte presença de estranhos circulando nas terras indígenas. Cada aldeia recebe R$ 30 mil da construtora até um período determinado. Com isso, o consumo de doces explodiu. “A dieta passou a ser feita a base de carboidratos, com arroz e feijão. Os índios deixaram de caçar e pescar. Essa desnutrição gerou atrofia muscular. Há muitos casos de diabetes também agora”, afirma a

pesquisadora.

MORTALIDADE

Rosilene Reis alerta para um dado que não costuma ser divulgado. O índice de mortalidade infantil é muito intenso nas aldeias paraenses. “É considerado comum crianças não passarem de um ano de idade”. Segundo ela, em aldeias de Marabá e Tucuruí a situação é ainda mais grave.

A nutricionista acompanhou de perto o impacto causado pelo que ela chama de transição alimentar em índios de Oriximiná, das etnias Wai-wai, Xereu, Hixkariana, Wapixana, Mayana, Xarapayuna, Katuena e Mundurucu. “O acesso limitado a serviços de educação e saúde, conflitos por terras e a inserção nos mercados regionais têm favorecido a migração indígena para centros urbanos”, diz a pesquisadora. “Isso vem acarretando um processo de aculturação que conduz à transição alimentar, visto que a população passa de uma atividade de subsistência baseada na caça, pesca e coleta para uma incorporação de alimentos industrializados”.

Os índios acabam desviando os esforços produtivos para culturas comerciais, a fim de satisfazer às necessidades criadas com o novo hábito sociocultural. “Os modos tradicionais de aquisição e consumo de alimentos na cultura indígena significa manter o corpo, a alma e a natureza em contato. Isso quer dizer que é preciso ter a garantia da terra, e isso está comprometido”, afirma.

A solução, segundo Rosilene Reis, implica implantação de políticas de segurança alimentar e nutricional com ações que tenham ampla participação comunitária no resgate e fortalecimento das práticas culturais.

“A população indígena é sempre vulnerável”, afirma a nutricionista. “Por isso, o consumo inadequado de alimentos, em termos qualitativos e quantitativos, pode ter contribuído para o desenvolvimento de subnutrição, diarreia, desidratação, anemia e aumento da mortalidade infantil”, afirma.

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