Um caminho para as águas amazônicas

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É espantoso que não causem surpresa e reação notícias como as de poucas semanas atrás, dando conta de que a seca deixara sem água parcela considerável da população de Manaus, cidade cercada por rios como o Negro e o Amazonas (O Estado de S. Paulo, Washington Novaes, 14.01.2011).

Ou a de que boa parte da população urbana ali tem de se servir de água subterrânea e três quartos dessa água são contaminados por resíduos oriundos de fossas sépticas (apenas 8% das casas de Manaus são servidas por rede de coleta de esgotos). E Manaus não é o único caso – vide Parintins e outras. Numa região onde se investem dezenas de bilhões de reais para implantar hidrelétricas – com energia destinada em grande parte à produção de bens exportáveis ou suprir outras partes do País -, é inevitável a pergunta: por que não se invertem as prioridades? Por outro ângulo, fica uma questão ainda mais angustiante: por que não se tem uma política competente para as águas da Amazônia?

Felizmente, chega uma informação alentadora: apoiado pelo Museu da Amazônia – dirigido pelo ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) Ennio Candotti – e pela própria SBPC, um grupo de geólogos, hidrogeólogos, engenheiros hidrólogos e meteorologistas que já se dedicam ao estudo e gerenciamento de recursos hídricos da Bacia Amazônica reuniu-se para preparar um documento com informações capazes de subsidiar políticas públicas dedicadas às questões climáticas, meteorológicas, hidrogeológicas e ambientais relacionadas com as águas de superfície, subterrâneas e atmosféricas presentes na região da bacia. E para isso analisaram informações sobre o papel da água no abastecimento público, saneamento, geração de alimentos, transporte de cargas e pessoas, geração de energia elétrica, manutenção da biota terrestre e aquática, regulação dos ciclos climáticos e transporte de nutrientes e sedimentos.

As informações são impressionantes. O Brasil detém 60% das águas da bacia, que ainda se estende por oito países. Em território brasileiro têm origem 133 mil metros cúbicos por segundo dos 209 mil m3/segundo que são lançados pelo Rio Amazonas no oceano – água suficiente para, em dez segundos, abastecer com quase 200 litros (que é o consumo diário médio) cada um dos 12 milhões de habitantes da cidade de São Paulo. E ainda sem falar nos aquíferos. Só o Alter do Chão tem água – cerca de 40 mil km3 – equivalente à do Aquífero Guarani. As águas subterrâneas contribuem com 20% a 30% da vazão mínima dos rios, cerca de 30 mil m3/segundo. O Alter do Chão contribui com cerca de um quarto dos 610 mil m3 de água usados em Manaus, além de outras cidades, como Parintins.

Essas águas também são fundamentais para sustentação da floresta (cada árvore é composta em 80% por água). Apesar disso, só há cem estações de monitoramento hidrográfico no território amazônico (4 milhões de km2), quando seriam necessárias pelo menos mil. São águas geradas por chuvas (evaporação vinda do Oceano Atlântico, dos rios e evapotranspiração da própria floresta). E a umidade que sai da região é decisiva para as chuvas no Sudeste brasileiro.

Por isso tudo, o grupo de trabalho que se reuniu no Museu da Amazônia propõe, além da ampliação do monitoramento, a implantação de um centro/base de dados que possa recolher essas informações e distribuí-las para pesquisas, previsões climáticas, formuladores de políticas públicas, etc. Para que se tenha ideia da importância dessa iniciativa, lembra que são pouco compartilhados os dados gerados por 11 radares meteorológicos do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam). Hidroaviões e navios de pesquisa hidrológica e hidrogeológica também deveriam ser postos à disposição. Adicionalmente, será necessário promover levantamentos geológicos, geofísicos e de perfuração de poços de pesquisa nos aquíferos. Além de um plano de formação de recursos humanos (mil técnicos de nível superior e 3 mil de nível médio nos próximos cinco anos). E para completar, revisão das resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que orientam o uso e consumo de águas dos rios.

Ainda não é tudo. Seria conveniente criar o conceito de “pegada hídrica”, para mostrar os efeitos das ações humanas na área; criar o “crédito da água”, semelhante ao crédito de carbono; criar um instituto multidisciplinar das águas da Amazônia; e um instituto da foz do Amazonas, no Amapá, especificamente para o monitoramento, a hidrologia e a geologia do maior estuário da Terra. Para que se veja ainda a precariedade da situação atual, pode-se lembrar: a revista Águas Subterrâneas (outubro/novembro 2010) informa que, segundo a Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos do Estado do Amazonas, de 10 mil poços de águas subterrâneas conhecidos, 70% são clandestinos, sem fiscalização, de profundidade inadequada; 100 mil famílias fraudam a legislação ou furtam água. Há áreas no Alter do Chão onde o rebaixamento do lençol já chegou a 50 metros. Do 1,8 milhão de habitantes de Manaus, um quarto já é abastecido com águas desse aquífero – numa população que já teve aumento de 400 mil pessoas em dez anos.

Também parece inacreditável que em proposta do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) ao Congresso Nacional que prevê a criação de “institutos de água” (em Foz do Iguaçu, no Nordeste e em outros pontos) não haja previsão para a Bacia do Rio Amazonas ou sua foz. Agora, diante do alerta da SBPC e do Museu da Amazônia, o MCT prometeu incluir a região. Espera-se que a promessa não caia no vazio, como aconteceu com a proposta que a própria SBPC fez há poucos anos de “desmatamento zero” na Amazônia e forte investimento na formação, ali, de cientistas capacitados nas áreas de biodiversidade e clima.

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