Petição para CIDH: entenda o caso

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1.    O que é a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)?

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é uma das entidades do sistema interamericano de proteção e promoção dos direitos humanos nas Américas. Tem sua sede em Washington, D.C.  O outro órgão é a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em São José, Costa Rica.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge com a Carta da OEA e com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, representando todos os países membros da OEA, inclusive o Brasil. A comissão é integrada por sete membros independentes que atuam de forma pessoal, sem representar nenhum país em particular, sendo eleitos pela Assembléia Geral da OEA.

A CIDH tem como missão promover a observância e a defesa dos direitos humanos nas Américas.  Para isso, possui como atribuições formais, dentre outras:

  • Receber, analisar e investigar petições individuais que alegam violações dos direitos humanos, segundo o disposto nos artigos 44 a 51 da Convenção;
  • Acompanhar o cumprimento geral dos direitos humanos pelos Estados membros, e quando o considera conveniente, publicar informações especiais sobre a situação em cada pais;
  • Realizar visitas in loco aos países para aprofundar a observação geral da situação, e/ou para investigar uma situação particular.[1]
  • Apresentar recomendações aos Estados membros da OEA acerca da adoção de medidas para contribuir com a promoção e garantia dos direitos humanos.
  • Requerer aos Estados membros que adotem “medidas cautelares” específicas para evitar danos graves e irreparáveis aos direitos humanos em casos urgentes.
  • Solicitar que a Corte Interamericana requeira “medidas provisionais” dos Governos em casos urgentes de grave perigo às pessoas, ainda que o caso não tenha sido submetido à Corte, assim como remeter os casos à jurisdição da Corte Interamericana e atuar frente à Corte em determinados litígios.

2.         O Rio Xingu e o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte

A bacia hidrográfica do Rio Xingu é um ícone da diversidade cultural e biológica do Brasil.   O Xingu percorre mais de 2.300 quilômetros desde as cabeceiras no cerrado mato-grossense  até a sua foz no do rio Amazonas, criando uma enorme diversidade de ambiente aquáticos e paisagens de grande beleza. Nessa região moram aproximadamente 40 Povos Indígenas, cerca de 25 mil indígenas de quatro troncos lingüísticos diferentes e grupos indígenas em isolamento voluntário, além de milhares de ribeirinhos, extrativistas e agricultores familiares, assim como populações urbanas em cidades como Altamira.  Na bacia do Xingu, foi criado um extenso mosaico de unidades de conservação e Terras Indígenas ao longo do curso do rio. Apesar dos instrumentos legais de proteção das terras indígenas e unidades de conservação, a bacia do Xingu sofre impactos severos causados pelo homem, especialmente o desmatamento, queimadas e uso indiscriminado de agrotóxicos, associados à monocultura de soja e à pecuária extensiva.

O Complexo Belo Monte tem suas origens em meados da década de 1970, no período da ditadura militar.  Nessa época, foram previstas inicialmente cinco grandes hidrelétricas na bacia hidrográfica do Xingu, sendo a maior denominada pelo governo de Kararaô.  Os projetos geraram fortes protestos entre povos indígenas e seus aliados, liderados pelo Povo Indígena Kayapó, que eventualmente levaram ao cancelamento em 1989 do projeto original.

Um novo projeto de engenharia, denominado Belo Monte, foi lançado em 2002. O atual desenho do projeto já passou por várias modificações, prevê a construção de duas barragens (Pimental, Belo Monte), um canal de derivação, um canal de junção, dois reservatórios e um sistema extensivo de dezenas de diques, alguns do tamanho de uma barragem média.  Por meio da barragem de Pimental e o canal de derivação, seriam desviados mais de 80% da vazão do rio Xingu para alimentar a casa de força no sitio Belo Monte.  Assim, o Complexo  Belo Monte provocaria uma redução drástica da vazão em 100 km do Rio Xingu na região conhecida como a Volta Grande, onde vivem milhares de indígenas e ribeirinhos.

O Complexo Belo Monte ameaça impactar irremediavelmente a vida e a integridade das comunidades indígenas, ribeirinhas e citadinas da região, impondo o deslocamento forçado, insegurança alimentar e hidrológica, perda de água potável, aumento da pobreza e migração desordenada, que sobrecarregará os já carentes sistemas de saúde, educação e segurança pública em cidades como Altamira.  No total, o projeto forçaria o deslocamento de pelo menos 40.000 pessoas.

Alem dos enormes riscos sociais e ambientes do projeto, o desenho atual de Belo Monte é caro e ineficiente.  O custo total do projeto pode chegar ao valor astronômico de R$ 30 bilhões, a ser financiado com empréstimos subsidiados do BNDES, utilizando dinheiro público, e pelos fundos de pensão das estatais do Banco do Brasil (PREVI), da Caixa Econômica Federal (FUNCEF) e da Petrobras (PETROS).  Em função da alta sazonalidade do Rio Xingu, que deve-se agravar no contexto de mudanças climáticas, o Complexo Belo Monte só vai utilizar em torno de 39%  (4.420 MW) de sua capacidade instalada de 11.233 MW.

O processo de planejamento e licenciamento ambiental do Complexo Belo Monte foi marcado pela falta de transparência e participação da sociedade civil, associada a graves atropelos da legislação brasileira e normas internacionais sobre os direitos humanos e a proteção do meio ambiente.  Nesse sentido, cabe destacar:

  • o sub-dimensionamento dos impactos sociais e ambientais no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) realizado pela Eletrobras, em conjunto com as empreiteiras Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Odebrecht;
  • a falta de realização pelo Congresso Nacional de oitivas com as comunidades indígenas que seriam atingidas pelo projeto, conforme determinado pelo artigo 231 da Constituição Federal[2], como parte de um processo de consulta e consentimento livre, prévia e informado,  também em conformidade com a Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos Indígenas, das quais o Brasil é signatário;
  • audiências públicas realizadas de forma absolutamente irregular, em número insuficiente em locais nos quais a maioria da população mais ameaçada pelo empreendimento não teve oportunidade de participar. Nessas audiências, foi discutido superficialmente um Estudo de Impacto Ambiental incompleto, distorcido da realidade e sem adequada divulgação prévia, e sob um forte aparato policial repressivo;
  • a concessão “política” da Licença Prévia para Belo Monte em fevereiro de 2010, sob forte pressão do governo, contrariando pareceres das equipes técnicas do IBAMA e da FUNAI sobre falhas e incertezas nas conclusões do EIA;
  • o ajuizamento de treze ações civis públicas pelo  Ministério Público Federal (MPF) do Pará e organizações da sociedade brasileira sobre irregularidades no processo de licenciamento ambiental.  Tipicamente, essas ações tem recebido decisões favoráveis da justiça brasileira na primeira instancia, só para serem derrubadas em seguida  por desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF1), utilizando falsos argumentos sobre o fantasma de um apagão no setor elétrico, sem considerar o mérito dos casos. Atualmente, todas as ações aguardam julgamento no Justiça Federal – algumas por mais de cinco anos;
  • enquanto isso, a Advocacia Geral da União (AGU) tem ameaçadio juízes federais, procuradores da república e entidades da sociedade civil que têm movido ações judiciais contra irregularidades no licenciamento ambiental de Belo Monte;

Quando o Ibama concedeu a Licença Prévia para Belo Monte, foram estabelecidas 40 condicionantes ambientais, incluindo uma série de ações antecipatórias à obra e 26 medidas especificas para proteger terras e populações indígenas, definidas pela FUNAI.

Em janeiro de 2011, contrariando uma recomendação do Ministério Público Federal, o IBAMA concedeu uma “Licença de Instalação Parcial”, inexistente na legislação brasileira, para deslanchar as instalações iniciais de Belo Monte (canteiros industriais, acampamentos, estradas de acesso, etc.) apesar do não-cumprimento de praticamente todas as condicionantes da Licença Prévia.   Nessa época, a pressão para a emissão da licença levou à demissão do Presidente do Ibama.  Com relação às condicionantes indígenas, uma  reportagem do jornal Folha de São Paulo mostrou, em janeiro deste ano, que um parecer técnico foi ignorado pelo presidente da Funai para que a Licença Parcial de Instalação pudesse ser concedida. Tal parecer, com data de 14 de janeiro, dizia claramente que os esforços para cumprir as condicionantes indígenas eram insuficientes e que havia grave risco para as comunidades indígenas próximas aos locais onde serão instalados os canteiros de obras.

Em 01 de junho de 2011, novamente ignorando recomendações do Ministério Público Federal, o novo Presidente do Ibama, Curt Trennepohl, assinou a Licença de Instalação para o empreendimento como um todo, apesar do fato de que mais de 40% destas condicionantes não tivesse sido cumpridas. Parte das condicionantes consideradas atendidas permanecem genéricas ou ambíguas, outras sem especificidades acerca da complexidade técnica.

3.    As petições à CIDH sobre violações de direitos humanos no caso de Belo Monte

Num contexto de descumprimento da legislação brasileira e normas internacionais sobre os direitos humanos e proteção do meio ambiente, em que diversas tentativas de diálogo foram ignoradas pelo governo brasileiro, várias entidades brasileiras e internacionais da sociedade civil ingressaram com uma ação perante à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em novembro de 2010, com o objetivo de salvaguardar os direitos humanos de povos indígenas e outras populações locais ameaçadas pelo por Belo Monte

Em 1º de abril de 2011 – após uma cuidadosa análise do petição e ter ouvido o governo brasileiro –  a CIDH requereu através de medida cautelar que fossem realizadas ações para proteger as comunidades afetadas da bacia do rio Xingu, incluindo a suspensão das obras de Belo Monte até que fossem realizadas as consultas indígenas e a proteção dos direitos de populações indígenas isoladas. [B1]

O governo da Presidente Dilma Rousseff, ao invés de considerar os fatos e acatar a recomendação da CIDH , reagiu de forma arrogante e agressiva, negando qualquer irregularidade no respeito aos direitos das populações indígenas do Xingu, enquanto retirou seu candidato a membro da comissão em 2012 e ameaçava suspender as contribuições financeiras do país para a OEA.  Com essa postura, o governo federal tem tentando utilizar argumentos esdrúxulas,  como a alegação de que os comunidade indígenas da Volta Grande do Xingu não serão “diretamente afetados”, apesar de todas as evidências científicas, inclusive um estudo da Funai de 2009 reconheça o possível deslocamento de indígenas de suas terras pela falta de recursos hídricos. É inaceitável, do ponto de vista legal, que ao invés de tentar analisar as melhorias necessárias que as ações de execução requerem, o governo brasileiro insista que tais medidas não sejam adequadas, embora as evidências indiquem o contrário.

Conforme demonstrado pela concessão da Licença de Instalação no dia 01 de junho de 2011,  o governo brasileiro tem ignorado as medidas cautelares da Comissão Interamericana,  sem nenhuma ação para realizar um processo da consulta ou consentimento prévio, livre e informado com as comunidades indígenas.   Com esse tipo de posicionamento, ignorando os fatos e confrontando um organismo multilateral do qual faz parte, o governo da Presidente Dilma Rousseff demonstra uma tremenda contradição em relação a seu discurso de respeito aos direitos humanos, enquanto coloca em risco a imagem internacional do pais, nas vésperas de sediar a Conferencia Rio+20 da ONU em 2012.

A preocupação com a UHE de Belo Monte parte não só das organizações nacionais e internacionais, mas de inúmeras autoridades e entidades brasileiras e  internacionais[2], além de membros da sociedade civil[3], expressas através de inúmeras cartas de apoio (inclusive de membros da academia e associações científicas)[4] e campanhas. Somados a estes esforços, no dia 7 de abril de 2011, a Comissão de Diretos Humanos da Câmara de Deputados aprovou uma resolução apoiando a decisão da CIDH[5] e o Ministério Público Federal interpôs inúmeras denúncias no mesmo sentido, que estão pendentes de solução ante o sistema judicial brasileiro.

É importante observar que as pressões sobre os que se opõem a Belo Monte na região têm aumentado substancialmente, sem que as autoridades implementem ações para proteger a integridade dos mesmos.  Duas lideranças indígenas já receberam ameaças de morte, somando-se ao caso do bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Krautler, que vive sob proteção policial desde 2006. Segundo José Carlos Arara, cacique da aldeia Arara da Volta Grande, a forma como foi conduzido o processo até agora tem fomentado conflitos fundiários entre posseiros e indígenas. “Toda a comunidade também está sobre ameaça – e as lideranças são as que mais sofrem. Estou preso à minha própria aldeia, não posso sair daqui. Não temos apoio nenhum da Funai em relação à segurança.”

Foi nesse contexto que foi entregue, na quinta-feira, 16 de junho, a petição final com as denúncias de violações de direitos humanos por parte do governo brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A petição final reitera as ilegalidades do processo de licenciamento da usina, como o desrespeito ao direito de consulta e ao acesso à informação e à justiça das comunidades da Volta Grande do Xingu e de parte dos habitantes de Altamira. Também lista, em detalhes, os problemas de Belo Monte que afetarão as populações da Bacia do Xingu, incluindo dados à saúde, ao meio ambiente e à cultura, além de problemas gerados pelo deslocamento de indígenas.

Se acatadas as denúncias, a CIDH poderá encaminhar o processo à Corte Interamericana de Direitos Humanos, instância competente para julgar e condenar o país por violações de direitos humanos pelos Estados membros.


[1] “Aval para Belo Monte teve oposição na FUNAI”. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40294 Anexo No. 11.

[2]“Belo Monte: entidades nacionais e internacionais questionam a posição brasileira frente à CIDH)”. Disponível em: http://www.ecolnews.com.br/Belo_Monte_entidades_nac ionais_e_internacionais_questionam_brasileira_frente_a_CIDH.htm Anexo No. 23.

[3] “Mais de 500 mil contra Belo Monte”. Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/5622> Anexo No. 24.

[4] Carta das Associações Científicas à Presidente Dilma V. Rouseff, 19 de Maio de 2011. Anexo No. 25.

[5] “Audiência Pública aprova manifesto em apoio à OEA”. Disponível em: <https://xinguvivo.org.br/2011/04/13/audiencia-publica-aprova-manifesto-em-apoio-a-oea/> Anexo No. 26.


[1] Geralmente, essas visitas resultam na preparação de um relatório respectivo, que é publicado e enviado à Assembléia Geral.

[2] Os próprios técnicos da  Funai reconhecem que as poucas reuniões feitas com as comunidades não podem ser consideradas oitivas.


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Comments (3)

Na verdade, fazer cessar as obras de Belo Monte equivale dizer que a forma como somos governados (pessoas humanas e incapazes), não deu certo. Por outras palavras, significaria dizerque nós termos que ir dormir com as galinhas, que não podemos possuir duas ou três televisões; que não podemos comprar nos grandes centos à meia noite, que teremos que fazer uso do chuveiro elétrico em menos tempo.

Assim, para os intelectuais que 'se sentem o todo poderoso' com sua teoria da evolução, seria uma derrota. Com todo respeito, todo esse alarde não dará em nada. Está bem claro que não temos o poder de 'decidir o bem ou mal'. Quer um consolo? Lei o livro de Apocalipse 11: 17 e 18.

Haverá uma audiência pública na Câmara dos Deputados dia 20 de outubro sobre o impacto das grandes Obras a luz da legislação. Teria como me informar o debate mais avançado em trono da legisção sobre essa temática?

Como faço para assinar a petiçao????

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