Apesar de as obras de Belo Monte já terem começado, e já estarem gerando impactos sobre as comunidades do entorno, os moradores da comunidade Santo Antonio, localizada a 500 m do principal canteiro de obras em funcionamento, ainda têm muitas dúvidas sobre seu futuro.
Até o momento, as famílias, que serão deslocadas de suas áreas, não sabem pra onde irão ou como foram avaliadas as indenizações para cada proprietário.
Diante da pressão e das últimas reclamações dos moradores, a concessionária Norte Energia (NESA), empresa responsável pela construção de Belo Monte, em companhia de suas terceirizadas Ecsa, Carta e E.Labore, realizou, nesta terça (16), uma conturbada reunião com a comunidade local.
Funcionário da Ecsa, o engenheiro civil Luiz Viotti iniciou a reunião apresentando fotografias de comunidades submersas em outras hidrelétricas onde a empresa prestou serviços. Explica: “O que acontece em Belo Monte aconteceu em todos os empreendimentos. Quando a gente termina o trabalho de pesquisa e vai apresentar pra empresa que nos contratou – no caso a NESA – os valores das indenizações, o que a gente ouve é: ‘ô, Viotti, tá muito alto esse preço aí!’. Aí a gente vem, na hora de negociar ou de fazer a apresentação para as comunidades, a gente ouve exatamente o contrário: ‘tá muito baixo isso aí’. “Então, eu sempre brinco: trabalhar com engenharia de remunerações é impossível ter 100% de sucesso. Você não contenta nem aquele que te contratou, nem aquele que você vai atender”.
“Quase toda semana tem uma reunião, e quase nunca sai nada”, começa um dos moradores, dando o tom da platéia. “Uns vem aqui e dizem que [se a gente for realocado, a nossa casa] vai ser de telha, outros de brasilite; um diz que vai ter posto de saúde, que vai ter asfalto… Aí vem outro e diz que não”, comenta uma moradora.
Um fato: eles terão de sair. Os que não quiserem, sofrerão o expurgo do decreto da Aneel, que declarou toda a área da Volta Grande como de utilidade pública.
No entanto, neste contexto, a lei garante que as populações tenham três opções: as indenizações, a carta de crédito ou o realocamento. O primeiro é feito baseado nas dimensões do lote, das benfeitorias reprodutivas e das não-reprodutivas, também influenciadas pelo tempo de permanência da propriedade no local.
Alguns querem indenizações; outros, o remanejamento. Sobre a carta de crédito, os moradores ainda não entenderam do que se trata. A falta de informações sobre os valores dos pagamentos e sobre como eles se darão, no entanto, não tem permitido à comunidade tomar esta decisão.
Divisão
“A discussão das indenizações e realocações tem colocado em cheque a própria existência da comunidade Santo Antônio”, comenta a coordenadora do Movimento Xingu Vivo, Antonia Melo. Segundo ela, os que querem indenizações, normalmente, são moradores mais novos, cujos vínculos sócio-afetivos com o local são menos profundos, e gostariam de aproveitar o contexto para começar novamente. No entanto, o valor das indenizações para os ‘recentes’ é bem mais baixo que o dos moradores antigos, conforme foi apresentado pelos representantes da barragem.
“A maioria dos mais antigos quer ser realocada. Isto gerou uma divisão entre os antigos e os novos”, explica. De fato, esta situação ficou bastante explícita durante a reunião com a Nesa, quando ambos os segmentos da comunidade se atacaram ostensivamente. Melo continua: “agora, entre os que querem ser realocados, há uma parcela que prefere ir no sentido de Anapu, e outra no sentido oposto, de Altamira. Os mais antigos dos mais antigos querem garantir o caráter comunitário da vila, impedindo que ela se divida em duas, como propuseram alguns”.
Consenso
Há, no entanto, um consenso entre os moradores das 244 propriedades da agrovila: que as indenizações são irrisórias. A empresa justifica que esses são os valores da região, e que, claro ,eles seriam maiores se fossem em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Os moradores ponderam que nunca quiseram que Belo Monte fosse construída, e isto coloca as indenizações em outro patamar. Também disseram que, com a barragem, ocorre uma supervalorização imobiliária e encarecimento generalizado da vida na região, rebaixando ainda mais o valor das tabelas apresentadas pela empresa.
Os exemplos utilizados pelos engenheiros responsáveis pela reunião corroboraram os temores dos xinguanos. Em um dos cenários, os proprietários – não identificados, mas reais – de uma terra com 277 metros, recentemente alocados na agrovila, com uma casa e algumas benfeitorias, receberia pouco mais de 9 mil reais.
Em outro cenário, foi mostrada a lista das indenizações pelas benfeitorias reprodutivas. A ironia de um agricultor, em resposta ao slide de Power Point, foi taxativa: “se eu vender minha bananeira pra vocês por esse preço, eu não compro uma dúzia de cachos de banana lá em Altamira”, aponta outro.
“[A Norte Energia] está fazendo com nós o que algumas pessoas fazem com as crianças… As crianças não pedem pra vir ao mundo, elas vem por acaso. Ninguém pediu pra barragem vir pra cá, não. Nenhum de nós pediu pra vir barragem. Então ela [a Norte Energia] que arque com as responsabilidades e os compromissos”, comenta o presidente da Associação de Moradores do Santo Antonio.
Os cálculos finais com o valor de cada uma das indenizações serão apresentados aos moradores na próxima semana. Enquanto isso, famílias aguardam, resignadas, informações da Norte Energia .
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