Na noite da última quinta feira, 12 de dezembro, a casa de Erasmo Alves Teófilo, presidente da Cooperativa dos Agricultores da Volta Grande do Xingu (COOPEVAX), da Associação dos Moradores do Flamingo Sul, no km 80 da Transamazônica, e representante das comunidades dos lotes 96 e 97 da Gleba Bacajá, no interior de Anapu, foi atacada a tiros por um pistoleiro, identificado como funcionário do fazendeiro Antonio Borges Peixoto. O pecuarista que, de acordo com a Justiça Federal, ocupa ilegalmente vários lotes da Gleba Bacajá, foi recentemente condenado a deixar uma das áreas e segue como réu em processos referentes às demais.
Este último ataque a uma liderança dos pequenos agricultores da região é mais um capítulo da situação de extrema violência que marca a história de Anapu.
O município, localizado no sudoeste do Pará, ficou conhecido mundialmente em 2005 quando, em 12 de fevereiro daquele ano, pistoleiros assassinaram a freira estadunidense Dorothy Stang a mando de fazendeiros que estavam tomando a força lotes de reforma agrária federais e expulsando assentados e colonos.
Desde então, o ciclo de violências na região tem feito dezenas de vítimas, mas pouca atenção recebeu das autoridades. Apenas em 2018 Anapu voltou às manchetes dos grandes jornais quando, a partir de depoimentos de fazendeiros locais, a polícia prendeu o padre José Amaro Lopes de Souza, acusado falsamente de estimular ocupações de terra. Considerado braço direito de Stang antes de seu assassinato, Padre Amaro continuou o trabalho da missionária na defesa dos direitos humanos e dos assentados da região. Foi solto três meses depois por liminar concedida pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.
No início de dezembro deste ano, dois novos assassinatos, ocorridos em um intervalo de cinco dias, colocaram novamente em evidência a violência extrema do conflito de terras que nunca foi resolvido no interior do município.
No dia 4 de dezembro, Márcio Rodrigues dos Reis, liderança antiga de famílias sem-terra que reivindicavam uma área ocupada pelo fazendeiro Silvério Albano Fernandes, e uma das principais testemunhas de defesa de Padre Amaro, foi assassinado em um trecho da estrada entre Anapu e Bacajá. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Marcio estava trabalhando como mototaxista e foi chamado para levar um passageiro para a zona rural do município. Antes de chegarem ao suposto destino, o passageiro desferiu um golpe fatal de faca em seu pescoço (leia aqui os detalhes do caso).
Três dias depois da morte de Marcio, em 7 de dezembro, os professores da Universidade Federal do Pará (UFPA) Gilberto Marques e Anderson Serra, gravaram um vídeo em apoio à luta dos trabalhadores rurais que estão esperando o cumprimento da ordem judicial que condenou o pecuarista Antonio Borges Peixoto a deixar o lote 96 da Gleba Bacajá. Os agricultores protestavam contra a prisão de um assentado pela policia civil, acusado de estar usando madeira da área em litígio para fazer cerca. A madeira foi apreendida e, segundo os agricultores, levada para a fazenda de Peixoto, que acompanhava a ação.
No dia seguinte, circularam mensagens de áudio de fazendeiros locais, vazados por aplicativos de celular, nos quais os professores foram acusados de promover a desordem e incitar ocupações de terras. Em um dos áudios, um homem chega a fazer uma ameaça direta. “Isso é coisa do PT. Vagabundo invadindo as universidades, botando gente como esses dois vagabundo (sic), incentivando eles mesmos a morrer”, diz um trecho da mensagem. Em outro áudio, são mencionados casos de lideranças que foram assassinadas mesmo tendo “costas quentes” de políticos.
Novo assassinato, mais ameaças e outra morte
Dois dias depois, em 9 de dezembro, Anapu foi palco de um novo assassinato. A vítima foi Paulo Anacleto, ex-vereador do PT e conselheiro tutelar do município, morto com tiros na cabeça, desferidos por dois motociclistas, na praça central da cidade. Paulo vinha denunciando vínculos entre os grileiros locais e o assassinato do amigo Marcio Reis.
No funeral de Paulo Anacleto, o presidente da COOPEVAX, Erasmo Teófilo, fez um depoimento emocionado no qual lamenta a morte do companheiro, pede justiça e paz e denuncia que também vem recebendo ameaças de morte.
Na noite seguinte, 12 de dezembro, Erasmo estava na casa de seus pais no Travessão do Flamingo, interior de Anapu, quando a família ouviu a aproximação de um homem, que disparou tres tiros e começou a gritar do lado de fora, exigindo que Erasmo saísse. Depois de vários minutos gritando e xingando, como a familia se manteve em silêncio, o homem se afastou.
Assustados com os disparos, comunitários locais acionaram a polícia, que apareceu apenas no dia seguinte. De acordo com os policiais, iniciou-se uma busca e ao chegarem na casa do suposto pistoleiro, foram recebidos a bala. Ao revidarem, os policiais acabaram matando o homem, conhecido nas comunidades locais como Ceará ou Queima Barraco. “Quando soube da morte desse Cerá, a comunidade até festejou. Ele já tinha atacado mulheres aqui, era conhecido por ser muito violento, e olha o apelido: “queima barraco”. Teve gente que até agradeceu à policia”, diz um agricultor.
Como ninguém tivesse se disposto a reconhecer o corpo depois do ocorrido, novamente em áudio vazado por aplicativo de celular, um homem afirma indignado que “Ceará não é indigente não”, que teria família e que “trabalhou pro Peixoto [o fazendeiro Antonio Peixoto, acusado de grilagem pela Justiça Federal] por mais de quarenta anos. Faz muito tempo, muito tempo que ele trabalha pro Peixoto. Todo mundo conhece o Cearazão”.
Tanto os assassinatos quanto as ameaças de morte a lideranças como Erasmo Teófilo tem preocupado o Ministério Público Federal, que já no dia 13, após a noticia do ataque à casa do presidente da COOPEVAX e da morte do pistoleiro Ceará, soltou uma nota na qual afirma ter instaurado um procedimento “para acompanhar investigações e solicitar providências às autoridades de segurança pública do Pará sobre a nova escalada de violência no município de Anapu”. Além de acompanhar as investigações das mortes de Marcio reis e Paulo Anacleto, o MPF também solicitou à Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) “informações sobre as providências que estão sendo tomadas para prevenir e coibir a violência contra os moradores e lideranças dos lotes 96 e 97 da gleba Bacajá, onde se noticia pressão para expulsão de trabalhadores rurais”.