O Brasil está a poucos dias do segundo turno que decidirá quem será o próximo presidente da República. De um lado, o candidato da oposição, José Serra (PSDB). Do outro, a opção governista Dilma Rousseff (PT). As agendas ambientais dos candidatos tiveram pouca importância na campanha de ambos (O Eco Amazonia, Karina Miotto, 22.10.2010).
Por isso, um desejável plano estratégico para o desenvolvimento sustentável da Amazônia foi algo lamentavelmente ausente nos programas de governo.
Declarações à imprensa – o que eles já disseram
Dilma Rousseff (PT)
Hidrelétrica de Belo Monte: “É uma realidade. A energia é essencial para que sejam atingidos os objetivos econômicos, sociais e ambientais do desenvolvimento sustentável” (Globo Amazônia)
BR-319 (Manaus-Porto Velho): “É possível proteger o meio ambiente e ao mesmo tempo fazer a estrada” (Amazon Sat)
Reforma do Código Florestal: “Sou a favor do veto a propostas que reduzam áreas de reserva legal e preservação permanente, embora seja necessário inovar em relação à legislação. Sou favorável ao veto à anistia para desmatadores” (O Estado de S.Paulo)
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José Serra (PSDB)
Rodovia Transamazônica (BR-230): “Altamira é o lugar que deveria passar uma Transamazônica bem feita e pavimentada, uma estrada para abrir o desenvolvimento brasileiro” (Diário do Pará)
BR-319 (Manaus-Porto Velho): “Pretendo fazer. Pode ser também uma solução ferroviária. O importante é que isso seja feito”(Amazon Sat)
Hidrelétrica de Belo Monte: “O que quero é fazer bem Belo Monte porque é uma usina que começou com três problemas: financeiro-econômico, ambiental e social”(Globo Amazônia)
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O futuro da floresta
Conversamos com especialistas a respeito das declarações dos candidatos para a região e pedimos para fazerem avaliações sobre a postura ambiental de ambos, considerando os períodos em que o Brasil foi governado por Fernando Henrique Cardoso (FHC), do PSDB, partido de José Serra (1995-2002) e por Lula, do PT, de Dilma Rousseff (2003-). Confira as respostas.
JEAN PAUL METZGER, professor da Universidade de São Paulo (USP)
“A visão de ambos é desenvolvimentista e ambígua, pois ao mesmo tempo em que dizem querer evitar novos desmatamentos, têm políticas que o incentivam. Tenho medo dos PAC [Plano de Aceleração do Crescimento, lançado em 2007 por Dilma Roussef enquanto ministra da Casa Civil] da Dilma e da visão capitalista do Serra. Ambos vão dançar conforme a música que a sociedade tocar. Quem sabe com a ajuda da Marina Silva [ex-ministra do meio ambiente, que ficou em 3º lugar nas eleições presidenciais], essa música seja um pouco mais para o lado sustentável das coisas”.
MARY ALLEGRETTI, antropóloga e professora visitante das universidades Yale, Chicago, Florida e Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos
“É preciso priorizar obras também em benefício da sociedade local. A Amazônia não pode ser vista como mina – vai lá, tira o valor e deixa o buraco. Há uma combinação fatal entre só falar e escrever sobre sustentabilidade enquanto se executa a insustentabilidade. Acertos de FHC: cancelou o Avança Brasil [programa que previa grandes obras de infraestrutura na Amazônia, como a pavimentação de estradas e hidrelétricas] e fortaleceu o Ministério do Meio Ambiente. Erros: ausência de projeto para substituir o Avança Brasil e falta de avanço em políticas sociais. Acertos de Lula: política florestal e criação de unidades de conservação. Erros: materialização do modelo de infraestrutura dos militares, falta de respeito aos indígenas e redução dos programas sociais à Bolsa Família sem perceber que pobreza na Amazônia não significa fome, mas falta de oportunidade de desenvolver o potencial de recursos naturais”.
NILO D’ÁVILA, coordenador de políticas públicas do Greenpeace
“Projetos desenvolvimentistas aliados ao Terra Legal já me fazem sentir cheiro de óleo de motossera. Em um primeiro momento não vamos perceber, mas a floresta pode cair. É preciso chegar ao desmatamento zero e transformar essa ideia em uma política pública. Indicadores mostram que isso é possível”.
PHILIP FEARNSIDE, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)
“A atuação da Dilma na Casa Civil revelou suas posições a favor de obras com gravíssimos impactos como Belo Monte e a BR-319 que, junto a outras vias associadas a esta, abriria praticamente a metade do que resta da floresta amazônica. Se a sociedade quer que o meio ambiente seja respeitado, o governo tem que tomar medidas que levem a isto”.
ADRIANA RAMOS, secretária-executiva do Instituto Socioambiental (ISA)
“Se o próximo presidente não tiver a preocupação de estabelecer uma linha de ação voltada ao desenvolvimento sustentável, podemos esperar um retrocesso com impactos na questão do desmatamento. Numa visão positiva, é que minimamente a forma de implementar essas obras seja mais adequada. Com FHC e Lula perdemos grandes oportunidades de dar maior espaço à questão da sustentabilidade”.
BERTHA BECKER, professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da Academia Brasileira de Ciências.
“É preciso utilizar a Amazônia sem destruí-la, através do uso de tecnologias de ponta e de ciência, conhecendo sua potencialidade, sua sensibilidade e não exercendo sobre ela atividades e produtos destrutivos. Ela não pode virar museu e o próximo presidente terá o desafio de defender produzindo e recuperando. Nenhum dos candidatos aborda isso. Querem construir estradas e falam em desenvolvimento sustentável, uma alta contradição”.
PAULO BARRETO, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)
“Grandes obras acarretam efeitos pontuais diretos e regionais. Várias ao mesmo tempo representam riscos importantes. Para enfrentá-los, é necessário investir em governança e em órgãos ambientais. Os candidatos não abordam isso. Em geral, eu diria que a situação é preocupante. Falta diálogo franco e amplo. O processo deve ser inclusivo, com mais participação da sociedade que anda, claramente, cada vez mais consciente quanto a questões ambientais”
SERGIO ABRANCHES, cientista político e comentarista da Rádio CBN
“A Dilma vê a Amazônia como local para expansão do que ela entende por progresso. E o Serra, embora demonstre mais sensibilidade para o assunto, considera a região um lugar para expansão da fronteira. Nenhum tem clareza sobre qual é o modelo de desenvolvimento que introduz economia sustentável com floresta em pé. O próximo desafio de ambos é aprender sobre a Amazônia porque nenhum sabe o suficiente. Tudo o que se pensa para a Amazônia é a reprodução do modo de desenvolvimento do Sudeste. O padrão antigo não é sustentável, estamos caminhando para o modelo chinês com ar inviável, matas derrubadas, água poluída. Lá não tem nada que preste porque o país foi poluindo tudo para crescer rapidamente. Se o Brasil seguir o padrão ambiental de Lula e FHC pelos próximos 10 anos será uma tragédia. Qual ruptura vai ser feita? Vai ter mudança ou não?”.